domingo, 23 de novembro de 2008

Cortejo
















Cortejo










PESTIS ERAM VIVUS - MORIENS TUA MORS ERO.






Zona Crepuscular localizou manuscritos antigos para a 2ª temporada: A vida passa?


Zona Crepuscular – acesse contos inesperados que ocorrem na hora mágica... nem dia, nem noite.


Neste post você observará paralisado “O Cortejo”



Um lugar qualquer em São Paulo anos atrás:

Eu me tranquei no banheiro, fechei os olhos e a água me desligou do mundo.

Só escuridão...silêncio...atemporalidade.
Meu corpo flutuou e já não éra mais corpo, um espelho com olhos que nada viam, só o Nada Absoluto, um negror...
Comecei a perder noções, minha idade, meu nome, meu presente - eram névoas desconexas.
Por longo tempo vaguei com um vazio interior, sem nada expressar - vagando, negando, vagando, olhos vítreos...

Lentamente, num crescente quase imperceptível, o som de uma banda começou a se fazer ouvir...as batidas eram ritmadas, fortes, contínuas "tum, tum, tum, tum"...pareciam coordenadas por passos dados, o crescente aproximando-se à minha frente - uma luz amarelada, primeiro um ponto ínfimo, aos poucos se intensificando em minha direção. O que seria?

A luz se intensificando, o som crescendo e eu, derivando...

Por horas e horas ouvi e acompanhei o estranho "barulho iluminado na infinita escuridão"...
O som tornou-se presente e um cortejo de seres começou a transfigurar-se à minha visão - pensei-os humanos e eram, mas não como eu esperava - eram esqueletos semi-apodrecidos e esfarrapados. As vestes não eram estranhas, pareciam peças de um guarda-roupa familiar; de um passado distante, meu passado...
O cortejo desfilou a minha frente, marcando o ritmo com os passos lentos e perturbadores - sempre o mesmo retumbar, torturando-me, fazendo-me lembrar, esquecer, sofrer em silêncio!

Queria gritar, mas nenhum espectro me olhava para notar meu desespero; meus únicos companheiros eram desprovidos de sentimentos - talvez não importasse mais - só o arrastar de pernas e o levantar e cair de braços ritmados sobre bumbos e caixas. Nada além disso. Um desfile vazio indiferente ao único expectador.

Após o que pensei ser séculos senti a fila de horrores descarnados chegar ao final - até as roupas de minha infância revi - mas meu terror , meu palpitar descompassado começou a chegar aos extremos mais insuportáveis. Caixões grandes, pequenos - de vários tipos - começaram a desfilar ante meus olhos paralisados, olhos que eu morbidamente não conseguia fechar, por mais que eu quisesse fechá-los, sabia que não conseguiria.

No meu íntimo eu sabia, ah como sabia - ninguém precisava me explicar. Não é assim? Vemos uma parte e sabemos qual é o todo? Pois bem, sabia que eram os caixões de todos os que conheci em minha vida de peregrino nesta terra - a princípio pensei ser algo como pedaços de meu ser, mas uma energia viva, uma intuição me fez descobrir a realidade do que estava flutuando, desfilando perante meus olhos - vindo da escuridão e indo para as trevas absolutas, a inconsciência, a não-existência, o desaparecer de minha memória. Minha memória, ah, se apagando, escoando através de minhas lágrimas involuntárias para a mais completa e infinita escuridão...

Por que estou chorando? Porquê?


"Vivendo era teu açoite; morto, serei tua morte".
Martinho Lutero





Fim por hoje...



A paralisia passou? Pode se mexer? Feche o chuveiro e deixe Zona Crepuscular..., achou o que veio procurar? Não foi desta vez? Curioso, seria capaz de afirmar que você achou o que procurava, só não quer levar, só não quer encarar. Não agora, não neste momento da jornada heróica. Cuidado...a ampulheta corre, o Ancião dos Dias nos aguarda.






23

segunda-feira, 14 de julho de 2008

terça-feira, 10 de junho de 2008

Asas
















Olá! O Porteiro da 5ª dimensão volta após um período de saltos temporais e apresenta uma possibilidade: e se o véu das realidades fosse removido, o que veríamos?

Zona Crepuscular – acesse contos inesperados que ocorrem na hora mágica... nem dia, nem noite, nem vivo, nem morto.


Neste post você conhecerá seres milenares que vivem de rodear a Terra.

Asas


Num lugar fora do lugar, num tempo fora do tempo...fluindo da eternidade.

Acordado de madrugada, Brindisi foi para a sacada de seu apartamento. Deixou sua namorada Tirana dormindo, ressonando levemente.

Olhou para o relógio, três da manhã novamente, um céu encoberto e escuro observava opressor. O barulho que o despertara era baixo , o bairro estava silencioso, nada de motos, carros, bêbados, crianças chorando à espera de mães drogadas, nada de maridos espancando esposas que uivavam de desespero para vizinhos e policiais surdos. As pessoas boas estavam em silêncio também...
Um ressoar de uivos caninos começou como uma onda vindo de um bairro distante chegando e passando por Brindisi.
Tirana se aproximou e o abraçou.
- Que foi querido?
Brindisi não olhou no rosto da bela namorada.
- O silêncio e barulhos crescentes. Este céu obscuro parece que vai rachar. Não sei...
Tirana observou o horizonte, as trevas noturnas não a interessavam, só Brindisi.
Ouviu um leve ressoar de asas e partes do bairro abaixo estavam encobertas por uma névoa espessa, como flocos de algodão. Tudo muito curioso.
- Foi este barulho que me acordou, vi que você não estava do meu lado e vim procurá-lo.

Brindisi perscrutou o céu escuro com atenção. Tirana também esquadrinhou o céu, o barulho vinha do alto, por trás da realidade visível. Como se um terço de seres viajasse nas alturas.
- Tem alguma coisa ali, veja.
Tirana procurava e nada via, mas uma nota dissonante começava a ofuscar a peça musical da realidade.
Tom sobre tom, nuvens esparsas, cores tintas e alto, muito alto. Tirana enfim viu.
- Asas, ali – agora vejo! Que pássaros são estes, tão indistintos, tão altos na atmosfera, parecem voar em direção as estrelas.
Brindisi ofegava, um temor e uma pressão no peito se apoderaram dele, apertou a mão de Tirana.
- Amor, não tenho certeza de que sejam pássaros e não me parecem voar rumo as estrelas, sou capaz de dizer que estão rodeando a cidade, ou até pior, a Terra.
Tirana estremeceu e se aconchegou nos braços de Brindisi, a madrugada parecia esfriar mais e mais.

- Rodeando a Terra. Eu já ouvi isto em algum lugar.

Brindisi sorriu triste e abraçou fortemente a admirável garota de voz sussurrante e gestos delicados.
- Nos dias que vivemos tudo já foi dito, pensado e feito, de bom e de ruim – em formatos e discursos ora repetitivos ora inesperados. Minha vó leu para mim quando criança trechos da Bíblia e creio que “rodear a Terra” veio de lá.

Tirana parecia tensa, não tirava os olhos das figuras esvoaçantes que tingiam de vermelho o céu escuro com seu estranho bailado.
- Veja, alguns descem, mas não os vejo chegarem a terra, somem como névoa.

- É verdade, mas o grosso do cortejo aéreo prossegue, veja, se afastam. Estranho...

Tirana pegou Brindisi pelos ombros e olhou de forma tensa, com pupilas brilhantes e pulsantes.
- Lembrei! O que você falou está no “ Livro de Jó ”. Deus nos guarde. Deus, Deus...





Fim, por enquanto...



Você esta saindo da Zona Crepuscular...quantas vezes já teve o véu que oculta o verdadeiro mundo retirado de seus olhos? Quantas vezes teve acesso ao mundo além do mundo, que é mais real até que paredes de bloco e cimento?

Este mundo anda em paralelo com o nosso e um dia serão um só. De que lado dele você pretende ficar?


Agora conheço em parte, mas em breve verei face a face....