quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

O QUE FAZER QUANDO SE CHEGA AO ÚLTIMO EPISÓDIO DE NOSSA VIDA?




Olá pessoas! Zona Crepuscular indaga: Como preservar as boas memórias porque as ruins não precisam não!


Zona Crepuscular – acesse contos inesperados que ocorrem na hora mágica... nem dia, nem noite, nem vivo, nem morto.


Neste post você recordará antigas lembranças graças ao conto “Às vezes”, também baseado em um sonho desta semana...


Num lugar dentro de minhas memórias e mistificações:

- É necessário colocá-lo em um asilo mesmo? Afinal é seu pai.

Um silêncio, uma resposta.

- Amo este coroa e se sou quem sou é muito por causa dele; mas não dá, já fraturou a bacia, os dedos da mão, já se perdeu no bairro duas vezes e tem dias que grita muito e os médicos não encontram razão para isto. Não temos como cuidar do bebê e de meu pai ao mesmo tempo. Olha como você está! Tudo isto vai nos desgastando e o Asilo que escolhi é perto daqui e muito bom.

Outro silêncio, outra resposta.

“É meu filho, escolhas difíceis. Paredes finas e decisões logo de manhã – como se um velho como eu dormisse mais que poucas horas por noite. Um rápido mal-estar me toma, tremo, filho, mas passa. Gostaria de poder dizer isto para você, minha nora e meu netinho. Um asilo? Talvez tenha razão.”

Nos últimos tempos estas dores que no passado eram um chiado baixo tem encontrado voz trovejante em meu corpo. Grita e eu grito. Os médicos não entendem, nem eu. Talvez sejam as cornetas finais de meu breve desfile pela vida ou como um velho aparelho de som que toca ora alto, ora baixo seja apenas uma desregulagem. Vida vai, vida vem, pena que não poderei conviver com meu neto o quanto eu gostaria mas neste momento sou aquele sócio que se recusa a entrar no clube por saber que foi aceito. Melindre mortal.
Observo o pernilongo enquanto coço as costas da mão, bichinho gordo, feliz e zombeteiro. Uma fêmea que ainda consegue extrair vida de mim – isto significa que nem tudo está perdido? Pode ser.

Minha nora traz meu remédio, tomo a pílula com olhar vazio e gemo um “obrigado” que é isto mesmo, me sinto obrigado pois não quero mais remédios – quero o agulhão final da morte, a picada libertadora. Uma dor cruza meu corpo numa lancha feroz riscando as águas plácidas de meu lago-eu, cerro meus dentes até onde posso, não vou gritar hoje pois meu neto merece paz e quando ele chorar a mãe dele acudirá preocupada “ que foi bebê, dói, tá com fome, mamãe te ama” mimos para o rostinho de futuro tão cheio de promessas e expectativas. Diferente de um idoso chorão que espera algo em meio as suas dificuldades a ponto de não poder nem recusar um asilo ou um remédio – estoque de promessas e expectativas zerado. Ah! Lá vai o pernilongo na janela. Pelo menos não vai picar meu neto, um pequeno consolo. Me lembro de quando era criança, um amor na 2ª série, inimigos na 4ª série, bola na rua, pipa no céu, salto na lama, fuga de morcego, festa caipira e com o primeiro beijo já estou na adolescência com quinze anos. O beijo eu lembro, molhado, gostoso, eterno posto que rápido, mais ou menos, a pele macia, os cabelos louros. Grandes esperanças. Grito de raiva, não consigo recordar o segundo beijo. Chamei a atenção da esposa de meu filho...minha nora me olha com olhos marejados, cansados – meu neto no colo. Ela fala coisas, mas não ouço, pois coloquei uma muralha de gritos entre nós; é quase como se eu me assistisse a parte de tudo isto. Um “eu” com quarenta anos sentado ao lado de minha cama, casado, um filho recém-nascido no colo da esposa. Tudo se embaralha, quase uma alucinação e uma sobreposição de imagens, minha nora, meu neto, meu filho, eu minha esposa, meu filho. Uma colagem ora forçada, ora irreal e, às vezes, tão vívida. Paro de gritar já no limite da rouquidão. Fecho os olhos e durmo até a hora do almoço, é assim mesmo, pulo refeições, hoje pulei o café da manhã graças a estes segredos sussurrados através de paredes tão finas. Sonho ou fico realizando reconstituições filmísticas em minha cabeça. Difícil dizer, impossível separar o real do imaginado com as cãs brancas que possuo.
Vejo meu pai correndo atrás de pipa, eu correndo atrás de pipa; meu primeiro emprego, meu pai indo embora, minha mãe triste – expectativas zeradas num mundo sem amor. Quando casei pensei comigo “isto não pode se repetir, vou lutar pelo meu casamento!” fracassei, venci, recomecei várias vezes e variadas vezes recomeçaram comigo – um processo contínuo de se re-apaixonar, de re-atar, gentilezas recíprocas. Recordei do primeiro beijo no sonho novamente, as primeiras coisas nos marcam mesmo. Um beijo trocado do lado de um orelhão num dia em que o bairro ficou as escuras por causa da chuva. Muitas chuvas e apagões depois veio meu amor, daqueles que se consolida, que se ama, sofre e odeia e recomeça. Lembro o rosto dela, às vezes pego o álbum da minha vida, as fotos, que guardei – recordo dela, de outros amigos, situações.

Às vezes fico rindo dentro de mim - e como agora – tento conduzir o sonhar para trazer as sensações perdidas à tona. Reviver momentos de alguma forma, volta e meia consigo.

Minha nora me acorda, me leva para o banheiro, lá ainda me viro – gestos lentos, mas realizo o necessário. Tomo banho, resolvo fazer a barba, corto as unhas – demoro um tempão no chuveiro. Ela bate na porta, respondo “ainda não!”. Será que ela pensa que minha demora significa que fiz meu passamento? Só peço a Deus que não seja assim, nu, mas como diria Jô, nu vim, nu voltarei – é, esta aí uma boa razão para minha nora ficar ansiosa quando demoro no banheiro. Eu não controlo isto; não sou eu que vou apertar o botão de “desliga”. Suicídio? Longe de mim esta tolice. Não sou ator, mas ainda vale a pensa ser expectador da vida. Talvez seja melhor eu tomar banhos mais rápidos por garantia...
Uma dor rasga meu corpo, me ajoelho rangendo os dentes “agora não, agora não!” a vista nubla e uma cena minha dirigindo carro vai e volta. Será este um apagão mental, um curto-circuito de minha memória, emoções, sentidos e sentimentos como um pedaço de papel com assuntos variados que é amassado violentamente por uma criança e petecado como bola no pátio de uma hipotética escola?

Ergo-me lentamente de forma decidida, a bacia dói, os dedos doem vou para o meu quarto. A comida esta na mesa, o bebê recebe a papinha, visto um roupão e me sento perto de meu netinho. Uma graça! Como rapidamente e volto aos poucos para a cama. Olho um pedaço do céu pela janela de meu quarto, nuvens, pássaros ocasionais, cantos, aviões e helicópteros de vez em quando. Mas a sirene é o que me incomoda. Ela passa de quatro a cinco vezes no bairro, o cortejo funerário para o cemitério próximo. Ninguém liga para estas coisas e eu também não ligava.
Procuro memórias, as desencavo para nelas me afundar – a tardezinha meu filho me levará para a calçada em minha esverdeada cadeira de rodas. Os pernilongos picarão, mas ficarei quieto – eles me lembram que estou vivo, se coço, logo existo – quero absorver da rua, um tudo, me inebriar com o movimento elétrico de tudo e de todos já que eu fui desacelerado. Legal foi o dia que invadiram a casa para furtar, roubar; só tinha eu, deitado, engessado – os ladrões me observaram como quem analisa uma múmia ou um rato morto, cochicharam algo e foram embora. A partir daí meu filho colocou grades nas portas e janelas – mas a partir deste dia fiquei mais que consciente da minha impotência atual frente ao fluxo da vida.
“– Filho, assim eu sou, assim você há de ser!” Tenho vontade de dizer isto para todos, não só meu filho, mas me seguro. Meu coração não é minha situação...fecho os olhos mais profundamente – você não sabe como é isto.

- O que aconteceu com ele?

Um silêncio, a última resposta:

- Ele me chamou no quarto e muito lúcido, como há tempos não víamos; olhou nos meus olhos alegre e disse que queria contar um sonho que teve; disse que estava num quarto com a garota loira que beijou pela primeira vez quando adolescente e jurou estar consciente de que sonhava, lutou para conduzir o sonho a um último beijo, só que cada um estava em uma cama diferente. Não conseguiu, mas de repente a garota levantou foi para sua cama, ergueu as cobertas e o beijou como naquela vez cinqüenta anos atrás. Querido, ele sorria muito, pediu perdão pelos gritos e o trabalho que dava, disse que amava nós três e voltou a dormir. Quando fui acordá-lo no final da tarde para jantarmos o encontrei assim, frio.

- Fez as pazes e se foi. Eita velho sabido – este é meu pai!

Às vezes o mundo nos dá o que queremos. Eu queria ser aquecido por uma virgem nos momentos finais como foi o Rei Bíblico Davi. Só corpo encostado, sem malícia. Mas beijar uma vez mais meu primeiro amor era o que faltava para fechar o circulo e ter meu desejado passamento...





Fim, por enquanto...



Você esta saindo da Zona Crepuscular...recordou seus melhores momentos? Espero que não esteja vivendo no piloto automático como muitos por aí – olha, ainda dá para extrair muito sabor desta vida. Não fique sedado, andando como zumbi sem rumo esperando ser ferroado para acordar para seu momento neste planeta. Ou pensa que não haverá um passamento? Até onde sei, highlander é só nos filmes e nossa vida deve ser vivida com cuidado, pois não é uma novela. Às vezes, é melhor acordar enquanto é tempo! Até o próximo desenrolar deste blogue tão atípico.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

GIL E O ESTRANHO CASO DA VAGEM DO IRMÃO




O pessoal de Zona Crepuscular teve um sonho de barriga cheia muito estranho e se fez a seguinte pergunta: Vale a pena aceitar um bem que venha com um mal atrelado?


Zona Crepuscular – acesse contos inesperados que ocorrem na hora mágica... nem dia, nem noite.


Neste post você viajará para a Terra Encantada da Zona Leste de São Paulo e conhecerá a bizarra história de “Gil e a Vagem do Irmão”.

Vou contar um absurdo que me ocorreu dia destes...

Mas antes, para quem não conhece uma vagem, vamos a breve explicação:

Vagem: Vegetal de baixo valor calórico, a vagem ou feijão-de-vagem é uma hortaliça originária da América Central - a vagem, senhores, contém sais minerais como Cálcio, Fósforo e Ferro, vitamina A e vitaminas do Complexo B em menor quantidade...é isto, maiores informações vá na Wikipedia, num pai dos burros ou no sacolão da esquina de sua casa!

Um dia destes na cidade de São Paulo onde acontecem as coisas mais normais do planeta, numa parada de ônibus, destas que os ônibus demoram (mas só um pouuquinhoooo) passei por um interessante fato-desprazer:

Meu nome é Gildomar, mas para encurtar o papo me chamem de Gil, estava eu no ponto de ônibus para AE Carvalho e o cara foi chegando perto de mim, como quem nada quer. Não liguei, morava na Zona Leste da Cidade de São Paulo, a famosa “Zélélé” (e sim, já mandei currículo para empresas com endereço da Zona sul ou oeste) logo nunca se esta só num ponto de ônibus na região mais populosa de São Paulo – “que venha o esquisito, pensei...”
O tipo vestia camiseta de manga comprida amarela com gola, calça vermelha de brim e um surrado tênis preto de futsal. Cabelo curtíssimo, uns olhos negros distantes, olhar misterioso – de gente que fica te medindo tipo vô num vô, vô assalta, num vô assalta – tinha uma pele meio rosada parecendo bochecha de nenê...ah, o cheiro, um leve odor de coisa velha, quase imperceptível, não como aquelas jaquetas de couro que ficam 11 meses no guarda-roupa , saem mofadas, passa-se álcool e fica aquele cheiro pelos corredores da empresa – o odor era característico, um futum bem leve, se me entendem – destes que você muda de lugar no ônibus, ou se está sentado, fica em pé; mas eu estava ao ar livre, dava para ignorar. Mas minha surpresa foi ver o sujeito, o tal amarelo me cumprimentar com um enorme sorriso antipático:
- Gil, como vai? E seu irmão Ril? Tudo bem com ele também? Ainda estão enganando garotas com aquele truque de irmãos gêmeos? E o trabalho de segurança; continuam trabalhando 24hs naquela loja de conveniência e deixando os clientes doidos e perplexos com o gás do funcionário do mês que não tira folga e não arreda o pé da loja? E então, ainda anda tendo aquelas sensações de quando seu irmão está em perigo ou triste? Vocês já tem filhos? São gêmeos também?
O cara só parou as perguntas porque desconfio que faltou fôlego para o pecinha – respirei fundo olhando o dito cujo, o ônibus ainda demoraria um pouco e piorando o bailado de quem tem calo no pé, voltou a garoar, disparei um morteiro:
- Amigo, te conheço?
O amarelo sorriu e não se fez de rogado.
- Conheço vocês dois desde quando eram criancinhas Zélélé, brincamos juntos naquela praça perto do colégio.
Que idílico – quase acreditei:
- Praça perto de colégio? Que praça, que colégio? Meu querido, você está me confundindo com outra pessoa. O que você quer de mim afinal? Esmola? Um cigarro? Desembucha! (Só fiquei peitudo porque vi que o mala não tinha pinta de malaco – traduzindo, o cara era um banana e não um bandido).
O homem silenciou e me observou com um olhar magnético, dava para ouvir o pinga-pinga da garoa nos buracos da marquise – o lugar que eu estava não pingava, mas o amarelo logo ia ficar encharcado – mas não parecia se importar, sujeitinho pernóstico...
- Conheço você e seu irmão sim, mas esquece, quero vender algo para você que será muito útil. Este produto tem um lado bom e um lado ruim por assim dizer; mas pode realizar algo de espantoso por você numa hora trágica, topa?

O ônibus não chegava – mais um vendedor de jarra azulada, cama magnetizada, ginkobilada isto, cartilagem daquilo, cogumelo chuvoso ou sei mais lá o que de milagroso. Daí-me paciência para aturar todos os vendedores que insistem em perturbar meu caminho do meio rumo a minha pretensa iluminação. Vamos lá:
- Me mostra logo o que é, nunca se sabe quando algo pode ser útil meu amigo amarelo!
O tipinho nem reparou no fato de ofendê-lo, sacou algo do bolso e me mostrou seu produto miraculoso, uma vagem! Uma vagem negra do tamanho da palma da mão de um adulto mediano diga-se de passagem, todo mundo sabe o que é uma vagem, mas ó o discurso do cabra:
- Isto Gil é uma vagem mágica...
Surtei e interrompi o amarelo com uma indelicadeza daquelas de gente sem paciência mesmo, ó ônibus que me largaste – onde eu estava:
- Já sei, cabrón! Dentro desta vagem preta tem feijões mágicos saltitantes que me levam a uma terra de gigantes onde nunca mais precisarei pagar água, luz, iptu, ipva e qualquer destas letras idiotas que o governo vive nos empurrando ou esta é a vagem do feijão e o sonho? - só me falta vir embutido uma mulher como a Maria Rosa para me azucrinar enquanto fico poetando e coçando...
Esta eu irritei o amarelo - o sarcasmo e a ironia sempre causam no mundo real – me lançou um olhar arguto e guardou a vagem no bolso novamente. Virou-me as costas e, num abrir e fechar de pálpebras, sumiu de minhas vistas. Só me lembro de um murmúrio daquele amarelo enquanto se desmaterializava – pois sabe que acho até que foi o que aconteceu? Pois bem, ele falou assim, bem azedo:
- Esquece, eu sei onde vou vender...
O ônibus chegou (é sempre assim, depois de assaltado, chega o ônibus que não vinha, a polícia que estava por perto – mas não tão perto assim, etc) dormi na viagem até em casa, ninado pelos trancos, buzinas e freadas como todo bom paulistano usuário do transporte metropolitano. Enquanto dormia pensei em como aquele amarelo sabia tanto sobre meu irmão e minha pessoa. O Ril não era de bancar o espalha-fato e nem era bom de convívio social, só o básico para passar batido na sociedade, sem despertar maiores interesses dos prende-louco.

Cheguei em casa, um cheiro de gasolina no ar enquanto abria a porta, no mínimo a moto que o Ril guardava na sala devia estar com o tampo do tanque mal atarraxado novamente de novo...apertei o interruptor e uma explosão me levou ao mundo do breu!

- Gil, Gil, meu irmão que tragédia é esta? Acho que aquele amarelo surgiu em boa hora, cof cof, que droga de fumaça! Irmãozinho, você não esta com bom aspecto, tá aos pedaços, droga, droga, que faço...já disquei para o socorro e ainda demora e não posso mover seu corpo – calma...Lixo de moto me perdoe irmão, não foi por querer. Não chore, já sei, o amarelo! tenho algo aqui, só que traz um bem e um mal embutido. Não posso esperar, você esta perdendo muito sangue, dói? É...dói, não dá para removê-lo mesmo, ei não me olhe assim, vou decidir por você e é agora! Sabe por quê? Porque os vizinhos foram para uma festa na rua de cima, eu estava lá também e só voltei para pegar um dinheiro para pagar uma bebida e um pastel para uma garota, linda, você tinha que ver, aí eu ouvi a explosão quando cheguei na nossa rua. Corri e você aí, que droga de mundo, deveria ser eu, a moto é minha. Quando ouvi a explosão deu um nó na garganta pois eu sabia que você estava aí, te amo irmão preciso falar, não sei. Mas ó, o amarelo, aquele tipinho, a coisa que eu comprei dele, agora é a hora de usar este troço Gil, já tão cedo, para de sangrar cara, por favor...

Já reclamei que meu irmão fala demais e nas piores horas? se não me doesse cada pedacinho de célula eu contaria o que acho da língua frouxa dele. Agora vem o momento “ironias que a vida nos prega enquanto estamos lendo o jornal no banheiro”: meu irmão se agachou e me mostrou a bendita vagem negra que eu desprezara horas atrás, tossi sangue, não consegui falar tampouco me erguer ou coçar uma dorzinha na base da coluna, me sentia estranhamente leve, isto me preocupava, nunca havia alcançado este estado nas minhas tolas tentativas de meditação. Minha consciência oscilava que nem tubo de tevê véia, oscilava entre dor, muita dor, dor absurda, consciência, inconsciência, mezzo consciência, murmúrios e imagens desconexas, que nem imagem fantasma de tevê que não é digital. Sabe o que mais? Impotência, estava naufragado em impotência e meu adorável irmão gêmeo me vinha com a desgraceira da vagem preta daquele amarelo do ponto de ônibus – sabe o que é olhar para sua cara xerocada tentando te consolar com um troço que você sabe que não vai dar em nada e você não poder nem dar um murrinho no cover de sua cara antes de dar um último suspiro, é difícil...e fazer piada com minha própria morte em meio a dor é um saco, uns diriam que é arte, mas repito, é um saco, negação total da situação! E meu irmão héin?
- Calma Gil, vou fazer um negócio, você vai escapar, preciso tirar um pedaço de sua camiseta na altura do peito, vai doer um pouco, ignora...
“Sei...aahhhhhhhhhhh!! %( “
Ril rasgou minha camiseta que aderira ao corpo na explosão, puxou devagar – um milhão de agulhas pinicaram no meu peito, como resposta, resfoleguei. E digo mais, aliás penso, o Ril não fez uma careta de dor por empatia de gêmeos, mito detonado...
- Calma Gil, vou colocar a vagem aqui no seu peito, nossa estranho, era para acontecer isto...bem...é impressionante irmão, você esta brilhando. Acho que vai dar certo. Bem, pelo sangue que perdeu e pela ambulância que não chegou, torço que dê certo mesmo amigão, dá um sorriso, dizem que um sorriso pode mudar qualquer situação – vi num vídeo motivacional na vendinha do Zé das Cebolas na rua dos Afogados!

Juro que eu queria gritar com o maluco metido a curandeiro que meu irmão se tornara. Estagiar no corpo do próprio irmão, que heresia – me usar como objeto de experiência como se eu fosse aqueles frascos com algodão, água e feijão; pensei na minha mãe e no meu pai falecidos – acho que agora era a minha hora. Aí lembrei do sorriso misterioso do amarelo e de sua frase “sei onde vou vender...”.
Um choque e uma luminosidade me fizeram gritar a última vez – depois voltei ao breu...

- Ril tudo bem? E seu irmão, cadê?
- Eu sou o Gil, que você quer?
A pessoa riu e foi embora gritando irritada:
- Você não me engana Rildomar, nunca me enganou, pode enganar os outros, mas eu não! Quando seu irmão voltar – se é que você não deu um sumiço nele – diga que quero falar. É urgente! Assunto de dinheiro...

Ril assentiu sem graça, entrou na sala reformada e foi para o quarto onde se assentou na cama ao lado da cômoda onde colocara o objeto mais importante da família: uma vagem!

Dentro da vagem, que agora começara a ficar translúcida já se percebia o pequeno corpo gêmeo do irmão totalmente recuperado do acidente. "Um casulo!" pensou Ril enquanto admirava o irmão imóvel – um pensamento cruzou sua cabeça: como o rosto de Gil demonstrava paz, muita paz...sorriu traquinas pois já tinha um apelido a altura da atual situação de seu irmão para quando a vagem se abrisse:

- Rêrrê, Gildomar, o Polegar!

Agora Rildomar mantinha a casa estupidamente limpa, nada de pernilongos, ácaros, aranhas, formigas, pulgas, baratas, ratos ou veneno. Afinal um novo mundo se desenhava para os gêmeos com o renascimento do diminuto Gil, aliás, Gildomar, o Polegar!

Como disse o amarelo naquele estranho dia de garoa:
“Não esqueça, Ril, você comprou um bem com um mal atrelado...”




Fim, por enquanto...



Você esta deixando a Zona Crepuscular...usufruiu desta pequena digressão que sonhamos hoje - onde um bem tem um mal apegado, entranhado? Já viveu algo parecido?

E se você fosse Ril, tomaria a decisão por Gil com todas as conseqüências advindas? Dormiria em paz e estranhamente veria o lado bom de tudo isto?

Uma última pergunta a ser lançada: qual de suas 7 facetas você apresentara no ano de 2008 Dr Lao?