segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

GIL E O ESTRANHO CASO DA VAGEM DO IRMÃO




O pessoal de Zona Crepuscular teve um sonho de barriga cheia muito estranho e se fez a seguinte pergunta: Vale a pena aceitar um bem que venha com um mal atrelado?


Zona Crepuscular – acesse contos inesperados que ocorrem na hora mágica... nem dia, nem noite.


Neste post você viajará para a Terra Encantada da Zona Leste de São Paulo e conhecerá a bizarra história de “Gil e a Vagem do Irmão”.

Vou contar um absurdo que me ocorreu dia destes...

Mas antes, para quem não conhece uma vagem, vamos a breve explicação:

Vagem: Vegetal de baixo valor calórico, a vagem ou feijão-de-vagem é uma hortaliça originária da América Central - a vagem, senhores, contém sais minerais como Cálcio, Fósforo e Ferro, vitamina A e vitaminas do Complexo B em menor quantidade...é isto, maiores informações vá na Wikipedia, num pai dos burros ou no sacolão da esquina de sua casa!

Um dia destes na cidade de São Paulo onde acontecem as coisas mais normais do planeta, numa parada de ônibus, destas que os ônibus demoram (mas só um pouuquinhoooo) passei por um interessante fato-desprazer:

Meu nome é Gildomar, mas para encurtar o papo me chamem de Gil, estava eu no ponto de ônibus para AE Carvalho e o cara foi chegando perto de mim, como quem nada quer. Não liguei, morava na Zona Leste da Cidade de São Paulo, a famosa “Zélélé” (e sim, já mandei currículo para empresas com endereço da Zona sul ou oeste) logo nunca se esta só num ponto de ônibus na região mais populosa de São Paulo – “que venha o esquisito, pensei...”
O tipo vestia camiseta de manga comprida amarela com gola, calça vermelha de brim e um surrado tênis preto de futsal. Cabelo curtíssimo, uns olhos negros distantes, olhar misterioso – de gente que fica te medindo tipo vô num vô, vô assalta, num vô assalta – tinha uma pele meio rosada parecendo bochecha de nenê...ah, o cheiro, um leve odor de coisa velha, quase imperceptível, não como aquelas jaquetas de couro que ficam 11 meses no guarda-roupa , saem mofadas, passa-se álcool e fica aquele cheiro pelos corredores da empresa – o odor era característico, um futum bem leve, se me entendem – destes que você muda de lugar no ônibus, ou se está sentado, fica em pé; mas eu estava ao ar livre, dava para ignorar. Mas minha surpresa foi ver o sujeito, o tal amarelo me cumprimentar com um enorme sorriso antipático:
- Gil, como vai? E seu irmão Ril? Tudo bem com ele também? Ainda estão enganando garotas com aquele truque de irmãos gêmeos? E o trabalho de segurança; continuam trabalhando 24hs naquela loja de conveniência e deixando os clientes doidos e perplexos com o gás do funcionário do mês que não tira folga e não arreda o pé da loja? E então, ainda anda tendo aquelas sensações de quando seu irmão está em perigo ou triste? Vocês já tem filhos? São gêmeos também?
O cara só parou as perguntas porque desconfio que faltou fôlego para o pecinha – respirei fundo olhando o dito cujo, o ônibus ainda demoraria um pouco e piorando o bailado de quem tem calo no pé, voltou a garoar, disparei um morteiro:
- Amigo, te conheço?
O amarelo sorriu e não se fez de rogado.
- Conheço vocês dois desde quando eram criancinhas Zélélé, brincamos juntos naquela praça perto do colégio.
Que idílico – quase acreditei:
- Praça perto de colégio? Que praça, que colégio? Meu querido, você está me confundindo com outra pessoa. O que você quer de mim afinal? Esmola? Um cigarro? Desembucha! (Só fiquei peitudo porque vi que o mala não tinha pinta de malaco – traduzindo, o cara era um banana e não um bandido).
O homem silenciou e me observou com um olhar magnético, dava para ouvir o pinga-pinga da garoa nos buracos da marquise – o lugar que eu estava não pingava, mas o amarelo logo ia ficar encharcado – mas não parecia se importar, sujeitinho pernóstico...
- Conheço você e seu irmão sim, mas esquece, quero vender algo para você que será muito útil. Este produto tem um lado bom e um lado ruim por assim dizer; mas pode realizar algo de espantoso por você numa hora trágica, topa?

O ônibus não chegava – mais um vendedor de jarra azulada, cama magnetizada, ginkobilada isto, cartilagem daquilo, cogumelo chuvoso ou sei mais lá o que de milagroso. Daí-me paciência para aturar todos os vendedores que insistem em perturbar meu caminho do meio rumo a minha pretensa iluminação. Vamos lá:
- Me mostra logo o que é, nunca se sabe quando algo pode ser útil meu amigo amarelo!
O tipinho nem reparou no fato de ofendê-lo, sacou algo do bolso e me mostrou seu produto miraculoso, uma vagem! Uma vagem negra do tamanho da palma da mão de um adulto mediano diga-se de passagem, todo mundo sabe o que é uma vagem, mas ó o discurso do cabra:
- Isto Gil é uma vagem mágica...
Surtei e interrompi o amarelo com uma indelicadeza daquelas de gente sem paciência mesmo, ó ônibus que me largaste – onde eu estava:
- Já sei, cabrón! Dentro desta vagem preta tem feijões mágicos saltitantes que me levam a uma terra de gigantes onde nunca mais precisarei pagar água, luz, iptu, ipva e qualquer destas letras idiotas que o governo vive nos empurrando ou esta é a vagem do feijão e o sonho? - só me falta vir embutido uma mulher como a Maria Rosa para me azucrinar enquanto fico poetando e coçando...
Esta eu irritei o amarelo - o sarcasmo e a ironia sempre causam no mundo real – me lançou um olhar arguto e guardou a vagem no bolso novamente. Virou-me as costas e, num abrir e fechar de pálpebras, sumiu de minhas vistas. Só me lembro de um murmúrio daquele amarelo enquanto se desmaterializava – pois sabe que acho até que foi o que aconteceu? Pois bem, ele falou assim, bem azedo:
- Esquece, eu sei onde vou vender...
O ônibus chegou (é sempre assim, depois de assaltado, chega o ônibus que não vinha, a polícia que estava por perto – mas não tão perto assim, etc) dormi na viagem até em casa, ninado pelos trancos, buzinas e freadas como todo bom paulistano usuário do transporte metropolitano. Enquanto dormia pensei em como aquele amarelo sabia tanto sobre meu irmão e minha pessoa. O Ril não era de bancar o espalha-fato e nem era bom de convívio social, só o básico para passar batido na sociedade, sem despertar maiores interesses dos prende-louco.

Cheguei em casa, um cheiro de gasolina no ar enquanto abria a porta, no mínimo a moto que o Ril guardava na sala devia estar com o tampo do tanque mal atarraxado novamente de novo...apertei o interruptor e uma explosão me levou ao mundo do breu!

- Gil, Gil, meu irmão que tragédia é esta? Acho que aquele amarelo surgiu em boa hora, cof cof, que droga de fumaça! Irmãozinho, você não esta com bom aspecto, tá aos pedaços, droga, droga, que faço...já disquei para o socorro e ainda demora e não posso mover seu corpo – calma...Lixo de moto me perdoe irmão, não foi por querer. Não chore, já sei, o amarelo! tenho algo aqui, só que traz um bem e um mal embutido. Não posso esperar, você esta perdendo muito sangue, dói? É...dói, não dá para removê-lo mesmo, ei não me olhe assim, vou decidir por você e é agora! Sabe por quê? Porque os vizinhos foram para uma festa na rua de cima, eu estava lá também e só voltei para pegar um dinheiro para pagar uma bebida e um pastel para uma garota, linda, você tinha que ver, aí eu ouvi a explosão quando cheguei na nossa rua. Corri e você aí, que droga de mundo, deveria ser eu, a moto é minha. Quando ouvi a explosão deu um nó na garganta pois eu sabia que você estava aí, te amo irmão preciso falar, não sei. Mas ó, o amarelo, aquele tipinho, a coisa que eu comprei dele, agora é a hora de usar este troço Gil, já tão cedo, para de sangrar cara, por favor...

Já reclamei que meu irmão fala demais e nas piores horas? se não me doesse cada pedacinho de célula eu contaria o que acho da língua frouxa dele. Agora vem o momento “ironias que a vida nos prega enquanto estamos lendo o jornal no banheiro”: meu irmão se agachou e me mostrou a bendita vagem negra que eu desprezara horas atrás, tossi sangue, não consegui falar tampouco me erguer ou coçar uma dorzinha na base da coluna, me sentia estranhamente leve, isto me preocupava, nunca havia alcançado este estado nas minhas tolas tentativas de meditação. Minha consciência oscilava que nem tubo de tevê véia, oscilava entre dor, muita dor, dor absurda, consciência, inconsciência, mezzo consciência, murmúrios e imagens desconexas, que nem imagem fantasma de tevê que não é digital. Sabe o que mais? Impotência, estava naufragado em impotência e meu adorável irmão gêmeo me vinha com a desgraceira da vagem preta daquele amarelo do ponto de ônibus – sabe o que é olhar para sua cara xerocada tentando te consolar com um troço que você sabe que não vai dar em nada e você não poder nem dar um murrinho no cover de sua cara antes de dar um último suspiro, é difícil...e fazer piada com minha própria morte em meio a dor é um saco, uns diriam que é arte, mas repito, é um saco, negação total da situação! E meu irmão héin?
- Calma Gil, vou fazer um negócio, você vai escapar, preciso tirar um pedaço de sua camiseta na altura do peito, vai doer um pouco, ignora...
“Sei...aahhhhhhhhhhh!! %( “
Ril rasgou minha camiseta que aderira ao corpo na explosão, puxou devagar – um milhão de agulhas pinicaram no meu peito, como resposta, resfoleguei. E digo mais, aliás penso, o Ril não fez uma careta de dor por empatia de gêmeos, mito detonado...
- Calma Gil, vou colocar a vagem aqui no seu peito, nossa estranho, era para acontecer isto...bem...é impressionante irmão, você esta brilhando. Acho que vai dar certo. Bem, pelo sangue que perdeu e pela ambulância que não chegou, torço que dê certo mesmo amigão, dá um sorriso, dizem que um sorriso pode mudar qualquer situação – vi num vídeo motivacional na vendinha do Zé das Cebolas na rua dos Afogados!

Juro que eu queria gritar com o maluco metido a curandeiro que meu irmão se tornara. Estagiar no corpo do próprio irmão, que heresia – me usar como objeto de experiência como se eu fosse aqueles frascos com algodão, água e feijão; pensei na minha mãe e no meu pai falecidos – acho que agora era a minha hora. Aí lembrei do sorriso misterioso do amarelo e de sua frase “sei onde vou vender...”.
Um choque e uma luminosidade me fizeram gritar a última vez – depois voltei ao breu...

- Ril tudo bem? E seu irmão, cadê?
- Eu sou o Gil, que você quer?
A pessoa riu e foi embora gritando irritada:
- Você não me engana Rildomar, nunca me enganou, pode enganar os outros, mas eu não! Quando seu irmão voltar – se é que você não deu um sumiço nele – diga que quero falar. É urgente! Assunto de dinheiro...

Ril assentiu sem graça, entrou na sala reformada e foi para o quarto onde se assentou na cama ao lado da cômoda onde colocara o objeto mais importante da família: uma vagem!

Dentro da vagem, que agora começara a ficar translúcida já se percebia o pequeno corpo gêmeo do irmão totalmente recuperado do acidente. "Um casulo!" pensou Ril enquanto admirava o irmão imóvel – um pensamento cruzou sua cabeça: como o rosto de Gil demonstrava paz, muita paz...sorriu traquinas pois já tinha um apelido a altura da atual situação de seu irmão para quando a vagem se abrisse:

- Rêrrê, Gildomar, o Polegar!

Agora Rildomar mantinha a casa estupidamente limpa, nada de pernilongos, ácaros, aranhas, formigas, pulgas, baratas, ratos ou veneno. Afinal um novo mundo se desenhava para os gêmeos com o renascimento do diminuto Gil, aliás, Gildomar, o Polegar!

Como disse o amarelo naquele estranho dia de garoa:
“Não esqueça, Ril, você comprou um bem com um mal atrelado...”




Fim, por enquanto...



Você esta deixando a Zona Crepuscular...usufruiu desta pequena digressão que sonhamos hoje - onde um bem tem um mal apegado, entranhado? Já viveu algo parecido?

E se você fosse Ril, tomaria a decisão por Gil com todas as conseqüências advindas? Dormiria em paz e estranhamente veria o lado bom de tudo isto?

Uma última pergunta a ser lançada: qual de suas 7 facetas você apresentara no ano de 2008 Dr Lao?

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