terça-feira, 18 de dezembro de 2007

E se o Mundo todo ficasse misteriosamente insensível?









Zona Crepuscular localizou um velho texto e pergunta: O egoísmo destruirá todos os seres que dele se alimentam?


Zona Crepuscular – acesse contos inesperados que ocorrem na hora mágica... nem dia, nem noite.


Neste post você ficará pensativo com “Mortificação”:


Desde o velho Scrooge não surgia ser assim tão dono de si e ciente executante de seus atributos e potencialidades – e ali estava eu, anjo caído em desgraça: escárnio de anjos, demônios e de humanos também; a quem apelar? Por quê apelar?
Apelei justo a quem não devia, um igual entre os viventes, espelho refletido, luz vertida em negro, trevas tão densas, cabíveis de se tornarem vestimenta – um delicioso vazio para o outro, um trono brilhante para o “eu”, um ego com toda uma vida para se aperfeiçoar na arte da vaidade e do “eu-centrismo”. Pois bem, a este apelei...

- Veja infante, não é de penalizar a situação que me encontro? Não te mortifica o coração, não compadece a tua alma minha miséria?
A voz trovejou um “NÃO”, me calei por um momento e prossegui:
- Observa jovem, o tempo urge, escorre entre nossos dedos, você não fica condoído, entristecido, pesaroso e alquebrado com a miséria que me enlaçou? Responda!

Uma voz fortalecida pelas passagens da água pela Clepsidra, uma voz juvenil, retumbante, forjada em vitórias inconseqüentes e pueris fez ecoar uma única palavra:
- NÃO!

Todo meu padecer era inútil, aquele ser parecia incapaz de se compadecer, de se entreter com meu sofrimento, de dividir comigo o fardo de fel que me oprimia, desistir não!

Segui o ser por todo o caminho, ouvi histórias, vi seus passos deixarem marcas no asfalto frio, observei, compreendi e investi decidido:

- Medita adulto, o tempo e a morte o disputam dia a dia, tramando levá-lo, só eu sei o que tenho escutado, mas como ajudá-lo no dia do seu sofrimento se vira os olhos frios para meu infortúnio; será que não pode comover-se, se sentir constrangido, compungido, sensibilizado para meu sofrer – os anos passam e a calamidade me devora a alma dias sem fim.
O “NÃO” soou forte, voz forjada nas vitórias sem fim e na autoconfiança independente de tudo e todos, empatia aparente, apatia reticente, crítica, desejando que cada ilha derive para seu continente por si, sem logística, sem suporte, sem apoio, sem facilidades, porto seguro ou ombro amigo; ninguém é inocente, ninguém merece dó – este era o discurso oculto naquele “NÃO” seco e olhar de canto de olho, olhar apressado de pessoa entregue a mil afazeres, mil recados, mil pecados. “NÃO” e ponto final.

Aquilo realmente conturbou meu coração, bati minha única asa, sentindo uma dor terrível – o coto da outra asa arranhava por baixo da manta pesada, me fazia falta ter ambas asas e trazia dor extrema quando só recordando ter uma asa só! E o único a quem desabafar surdo a meus apelos, ano a ano. Ninguém a se comover com minhas mazelas, ninguém a se compadecer, ninguém disposto a mover seu coração a minha causa, meu fado que de tal forma atrai. Ninguém que se sensibilize.

“Lá vem os anjos, melhor me afastar...”

Vi que o ser caminhava, casava, crescia, envelhecia e por fim, em seu leito de morte, só, sem ninguém, nem os netos, nenhum espírito de natal passado, nada, nem ninguém. Agora só ele, eu, uma enfermeira ocasional e a sombra da morte que sorria para nós zombeteira com seu agulhão, matreira, realizada, preparada para arrastar com seus grilhões “quem quer, quando quer” guiada pela mão do Divino – o Senhor de todas coisas, devo confessar, tremo de pensar.

Então era isto – a Morte daria seu abraço mortal naquele que não cabia no mundo; mas que agora dependia de estranhos até para andar – no bizarro e solitário mundo de seu quarto de enfermaria, dividindo dores, gritos agudos e lamúrias com estranhos, indiferentes ao seu sofrimento; centrados em sua própria dor, alheios as necessidades de terceiros.

Quis estender minha mão, quis compartilhar, quis mostrar meus sentimentos, minha compaixão e contrição – mas a misericórdia não habita meu coração, meu coração não habita minha alma, minha alma não habita meu ser e meu ser, enfim, é indiferente a dor alheia.
Na minha vingança, perde ele, perco eu...





Fim, por enquanto...



Você esta deixando a Zona Crepuscular...caminhou tranqüilamente por esta leitura ou a achou complexa? Talvez...Mas, se você prestar atenção, os anos passam e tendem a nos endurecer, a nos isolar (ou somos nós que nos isolamos?) - não deixe o sabor de sua vida escapar, não endureça seu coração continuamente, não fique indiferente a dor alheia; amanhã pode ser diferente, alguém ou algo pode te tomar esta rotina que te faz acreditar que você se basta em si mesmo e você começara a clamar: Senhor, Piedade, Senhor, Piedade!

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