Breve relato de histórias fantásticas e acontecimentos que beiram o surreal que vivem a acontecer a tantos seres por aí! Entre e leia com cuidado, pois estes fatos podem acontecer com seu vizinho, com sua amiga, com seu colega ou até com você num determinado ponto de sua vida onde nem é dia e muito menos noite...
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
RELATO SOBRE OBSESSÃO
Zona Crepuscular detectou uma falha na realidade: A obsessão é boa?
Zona Crepuscular – acesse contos inesperados que ocorrem na hora mágica... nem dia, nem noite.
Neste post viajará com “A Formiga”
Um lugar qualquer em São Paulo:
O homem agonizava a minha frente, um grande amigo em quem muito confiara. Suas últimas frases eram amargas:
- Julius, amigo, me perdoe pois eu te trai. Eles sabem da formiga. Desculpe.
No seu último suspiro era visível que estava condenado a morte realmente, as garras haviam atingido órgãos vitais em seu abdômen. Estava acabado e sua última frase provara que me condenara também. Corri dali o mais rápido que pude, pois além de garras, agora eu podia ouvir um “flapflap”, o ruflar de grandes asas. A caçada recomeçara.
Apertei a caixinha de chumbo contra o peito, o meu bem mais precioso estava ali: uma formiga vermelha. Um ser único no planeta, uma chave que poderia abrir uma porta que mente nenhuma poderia imaginar. Um achado quântico, a porta que leva a construção desta realidade.
Corri. À frente, um bueiro aberto! Corri ainda mais e me joguei nele, mergulhei na lama até o peito, um cheiro horroroso que ocultaria meu cheiro das perseguidoras garras. A natureza claustrofóbica do lugar e sua estreiteza eram incompatíveis com as asas. Salvo por enquanto. O celular tocou em meu bolso, nem acreditei devido à lama, atendi. Uma voz rouca me ameaçou:
- Devolva o que nos pertence ou mais pessoas sofrerão...
Joguei o celular fora e me aprofundei nas câmaras de esgoto, poderiam triangular minha posição e me achar só com aquela chamada.
Um empurrão me lançou no esgoto quando eu já achava que a galeria seca à frente me abrigaria.
- Aqui você não vai entrar não camaradinha, é minha casa!
O mendigo me lançava um olhar mortal. Um velho sofá , uma tevê preto e branco sintonizada no noticiário policial – acho que o Aqui e Agora – falando sobre um bebê-monstro numa linguagem visceral e sentimentalóide ao canto um vira-lata cinza-esverdeado que eu suporia branco se pudesse tomar um bom banho de 3 horas. Teria que enfrentar o homem barbudo e careca que tinha – estranhamente – várias fotos grudadas em sua camiseta com barbantes. Respirei fundo e...
Um estrondo ecoou longe, a imagem da tevê tremulou e apagou. O mendigo esqueceu de mim e correu para a boca da galeria de onde eu saira, auscultou a penumbra e gritou histérico:
- Estão alagando estas galerias, vamos nos afogar Black, venha, rápido! E totalmente alheio a mim, agarrou seu cão que gania baixinho no colo e correu na outra direção, seguido de perto por mim, é claro. Os estrondos estavam ficando próximos, por uma passagem saímos em outro bueiro, o mendigo, indiferente a minha presença, empurrou a tampa com o braço livre abrindo passagem. Era forte, muito forte – para minha sorte. Quando ele pôs o corpo para fora ouvi o bater de asas e um grito de surpresa na hora em que foi inesperadamente erguido aos céus enquanto seu cão caia no passeio. Fora pego pelos meus perseguidores. Ouvi seus gritos de “solta”, “solta”, “coisa-ruim”, “arrenego!”, “solta tranca-rua!” e pancadas, tapas e esperneios. Corri para a calçada e entrei em uma caçamba de lixo e entulho, onde me enterrei no meio de estuque, madeiras, pó, pregos, cimento. Espetei-me numa lasca de madeira, mas esperei segurando minha dor. O homem desabou a frente da caçamba de entulho e correu aos berros seguido por seu cachorro. As asas devem ter percebido que o cheiro estava errado, as garras deviam estar bem próximas de mim. Optei por esperar ali mesmo – a esta altura eu não tinha para onde ir e meu melhor amigo morrera sob tortura para me delatar. Não voltaria a fábrica, pois com certeza alguém de lá iniciara esta caçada. Recordo um estranho diálogo: “Eles estão entre nós e não vão deixar que Julius fique com aquela formiga vermelha, ela nem deveria existir”. Esta conversa eu ouvira escondido nos vestiários no momento em que me preparava para pregar um trote em um funcionário da produção. Após isto passei a ser perseguido por asas e garras e as pessoas ao meu redor viraram fonte de informação sobre meu paradeiro.
*
- Eles apenas querem que você devolva a formiga – disse Jonas um dia antes de morrer. Havia ligado no celular dele enquanto estávamos num bar em Moema tomando sorvete e observando a noite passar e, conseqüentemente, as pessoas que passavam por ela naquele lugar. Na hora não dei valor, estava me preparando para o concurso de Elvis Presley que ocorreria no fim de semana. Já tinha até o topete feito e as costeletas. A música que eu interpretaria? Kiss me quick!
- Jonas, o inseto é meu e vai ficar nesta caixinha que ganhei o tempo todo. Você não faz idéia do que representa. A Julius o que é de Julius, meu amigo.
Jonas sorriu e tomou mais um pouco de seu sorvete de abacate com açaí:
- Só não vá morrer por causa de um besouro excêntrico que se recusa a morrer, camarada!
- O inseto é uma formiga vermelha, saúva! Não é besouro, cara!
Jonas deu de ombros “Que seja!”.
E no tempo presente isto, Jonas morto, eu sem emprego, sem poder voltar para casa e só com a roupa do corpo – imunda por sinal. Precisava trocá-la na primeira oportunidade, ainda queria participar do concurso de Elvis, pelo menos isto, um beijo rápido e fugir, com a formiguinha na caixa.
Abri a caixa, lá estava ela, viva e curiosa, buscando fugir de seu domicílio. Fechei rapidamente a caixinha. O negócio era voltar para o Ceará já que me tornara “persona non grata” em São Paulo. Ora de sair desta caçamba, aí, ugh, agora dá para expressar a dor...
No centro velho de São Paulo, com o dinheiro que restava adquiri roupa nova, uma calça vermelha e uma camiseta amarela “Elvis Forever” , um banho em um abrigo após muito insistir e em seguida corri para um endereço onde empresas clandestinas despachavam ônibus clandestinos para o Nordeste sem passar pelo Terminal Rodoviário do Tietê. Triste, abandonei a idéia de participar do concurso de Elvis, era melhor assim – talvez as asas e garras não me achassem e não podia perder tempo. Comi um lanche num bar boteco fedido e bebi um suco de máquina (parecia feito com água de chuva e ralo que doía...). Um jornal gratuito fora deixado no balcão, abri na parte de esportes e um anúncio me fez estremecer e correr alvoroçado para o ônibus:
“O INSETO EM QUESTÃO NOS PERTENCE, JULIUS, DEVOLVA NO ENDEREÇO: RUA DOS AFOGADOS S/NÚMERO”
Corri, atravessei a cracolândia e cheguei no terminal improvisado, o ônibus caquético de pneus carecas me aguardava. Entrei e fui para o último banco ao lado do banheiro fedorento – nem liguei, eu bem sei o que é cheiro ruim. Me encolhi no banco e logo o ônibus partiu, pensei na caixinha e no que escondia. Apertei ela por cima da calça. Comecei a sonecar graças ao sacolejo do busão, a formiguinha, me lembro de quando a achei. A pequena e invulnerável formiguinha vermelha.
Uma noite indo da sala a cozinha, prensei uma formiga no chão, no dia seguinte, prensei outra no mesmo local – distraidamente – no outro dia, outra formiga. Aí pensei, vou seguir as formigas até o ninho e despejar formicida, mas, só havia uma. Entediado afoguei a formiga, mas a mesma nadou e foi para sua fresta diante de meu olhar pasmo. Então caiu a ficha. Notei que parecia ser a mesma e cínica formiga. Resistente a veneno, sandaliadas, uma super-formiga – achara uma criaturinha singular. A tirei de sua fresta. Coloquei a formiga a principio numa caixa de fósforo e a tranquei na geladeira por dois dias, viva. Então iniciei o que chamei de testes do absurdo: Joguei a bichinha numa panela de pressão por uma hora, viva. Faca não cortava, martelo não esmagava, fogo não torrava e ácido não derretia. Uma plácida formiga que de fome não morria, eremita de formigueiro pois vivia só – se conseguisse fugir, fugia e voltava para sua vida nas frestas de minha casa. Eternal bug, um bichinho imortal – a quanto tempo estaria indo de frestas em frestas ali, desde o tempo dos bandeirantes, desde a colonização do Brasil por portugueses ou muito antes? Anos, séculos, milênios. Uma dúvida em leque assombrou meu humano ser:
a. É uma falha estrutural? Existem outras?
b. É o brinquedo inquebrável de alguém? Quem?
c. É uma arma biotecnológica, um computador que se perdeu do dono? Protótipo de algo que virá?
d. É um ser jurássico ou anterior a isto, um elo perdido de alguma coisa que os cientistas gostariam de achar?
e. É um inseto, apenas um inseto; como uma pedra é apenas uma pedra?
f. É um inseto singular, único e precioso?
g. Quem mais encontrou seres assim, isto é ocultado e as pessoas são silenciadas?
h. Todas anteriores, nenhuma das anteriores.
Estas dúvidas me custaram noites de sono, pesquisas em bibliotecas, Internet e algumas ligações para instituições de pesquisa públicas e privadas. Escárnio, respostas sarcásticas, ácidas, divertidas – menos de uma pequena empresa de biotecnologia que o Jonas descobriu numa pesquisa de e-mails numa lan house. Um senhor Moreau tentou marcar uma reunião, mas mesmo num lugar público o ambiente se encheu de gente estranha, fotógradas sorridentes com roupa de lycra tentavam tirar fotos de todos em troca de canetas de luxo. Tudo muito estranho quando se é um poucochito paranóico como eu. Abortamos a idéia de contatar alguém e decide apenas ficar com a formiga.
O ônibus começou a manobrar lentamente para acessarmos a rodovia, Ceará lá vou eu, de volta pra minha terra – quanta diferença do sertão para a cidade. Tirei a formiga da caixa, ela pareceu esticar as patinhas e me observar – passou a caminhar para lá e para cá na palma de minha mão. “ Você é única, deve ser muito importante, só não sei para que...” Jonas pensava diferente, coitado...
- É sério Jonas, estou com esta formiga há um mês, ela não morre. Faça o que quiser, ela sobrevive. Primeiro ele riu. “Tá..incrédulo! Quer ver, pega aquele martelo. To a formiga aqui na bancada, martela sem dó!”
Jonas riu:
- É pra já!
Mirou a formiga e deu uma pancada certeira e barulhenta na bancada. Em cheio no inseto. Só ouvi um murmúrio assustado e nova pancada com mesmo resultado surpreendente:
- Impossível Julius. Não morreu. Joga isto fora, tem cheiro de encrenca.
Ah seu eu o tivesse ouvido ainda teria meu amigo e não um insetinho tão comum e tão extraordinário.
Escurecia, o ônibus seguia na estrada. O motorista gritou para todos “Bloqueio! É cada um por si pessoal!” Jogou o ônibus no acostamento e entrou num matagal que nem um tresloucado, um doido. As pessoas se olharam, o bloqueio metros a frente com carros policiais desapareceu diante dos olhos de todos.
Um uivo próximo, droga, Garras e Asas! Saltei pela janela e corri para o matagal para onde o motorista fugira – gritos de homens, mulheres no ônibus – sem testemunhas. Gritos e guinchos nos céus e silvos, rosnados e uivos.
“Tragédia, tragédia. Esta formiguinha é importante, não sei para quê, mas estava custando a vida de inocentes mais uma vez.” Uma voz trovejou de cima do ônibus no acostamento mal iluminado. Os carros e ônibus passavam na via principal indiferentes:
- Julius, a César o que é de César e este inseto é nosso, devolva agora. Não tem utilidade para você!
O ser era enorme, escuro, deformado, de orelhas pontudas “ se estou vendo sua silhueta, ele está perto e eu, perto demais dele. Corri.
- Roaarr, Julius, estou te vendo. Você não vai escapar.
Maldita hora que resolvi colocar esta camiseta amarela – Elvis não me valeu neste momento. O farfalhar de mato alto distante indicava que me caçavam. A formiga na caixa. Meu coração na mão. Uns cachorrões negros uivando atrás de mim e vôos circulares ao meu redor. Bem, sou brasileiro, não desisto! Não vão pegar a minha formiguinha preciosa. Não vão não! Me escondi atrás de um pedregulho enorme e gritei enquanto procurava uma saída – um rio aqui? Boa hora...
- Vou tirar foto de vocês e colocar em todo lugar, mandar para várias pessoas agora mesmo – o Senhor Moreau vai pagar por seu descuido. O mundo vai saber de vocês, ah vai!
Um uivo, uma declaração soturna:
- Julius, obrigado por avisar, pois agora bloqueamos os sinais de celular na área, está na sombra por completo, se é que você tem algum aparelho, pois aqui comigo esta um cheio de lama que obtive em nossa caçada! Chega de blefe, a formiga, agora!
Respirei fundo, gritei e corri na direção dos seres, lobisomens, vários, asas ruflavam alto, voando circularmente. Os seres se atrapalharam com minha estúpida arrancada, fiz uma curva, corri aos berros desviando de botes, saltos, mergulhos aéreos e outros ataques. Peguei a caixinha, abri e mergulhei no lago. Soltei a formiga na correnteza “nem minha, nem deles”; eu não morreria em vão, a vitória no final seria minha e...bati a cabeça no fundo seco do rio. Desabei no chão seco, o lago desaparecera, minha roupa molhada era a única prova de sua existência, meu topete despenteado também, óh Elvis...fui cercado por lobos de olhos vermelhos – coração disparado prestes rebentar, nada de Ceará para mim. Nada de formiga. Dois lobos do tipo guará esquadrinharam o terreno com lanternas e longas patas; assumiram a forma de tamanduás-bandeira, cães farejadores, morcegos, horas se passaram. Formigas e mais formigas eram mortas, besouros, minhocas, tudo o que se mexesse e fosse pequenino.
- Achei! Disse com voz gutural e pausada um ser que misturava elementos de vários animais – a criatura era horrível de ver. Caminhou em minha direção, pegou minha mão e colocou uma formiga vermelha na minha palma direita. Era ela!
O líder deles com voz ameaçadora urrou:
- É esta Julius?
Alisei a formiga pela última vez e assenti.
Pegou a formiga de minha mão, deu-me as costas e virou um homem de terno social preto enquanto caminhava para longe de mim. Os outros também se foram, um deles virou uma enorme caminhonete quando pisou na rodovia – segui meio abalado. Era isto?
- O que significa tudo isto então?
Um deles respondeu sardônico:
- Não é da sua conta humano...
Respirei fundo:
- E quanto a mim? Acaba deste jeito?
Outra voz respondeu sarcástica:
- Você não representa ameaça, siga seu caminho...
Esbravejei irritado enquanto eles entravam na caminhonete:
- E minha vida, as pessoas que morreram?
O carro partiu lentamente e uma última voz me esfaqueou a ira:
- Ninguém teria morrido, a culpa é toda sua! Viva com isto Julius!
O carro desapareceu e assim terminou o evento. E vivi a partir deste momento da seguinte forma: um pesadelo em vida, uma vida de remorsos, sem meu grande amigo e sem a peculiar formiga.
Fim por hoje...
Você deixa Zona Crepuscular... pensamentos obsessivos gritam que você perdeu muito tempo conosco, pois não é aqui que se encontra a grande preciosidade que tanto deseja. Um estranho plano se desenha na sua cabeça e logo você terá a chance de colocá-lo em prática no anseio de calar esta fome que de forma insistente consome sua vida. Cuidado...
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