quarta-feira, 14 de novembro de 2007

ZONA CREPUSCULAR QUER SABER DE VOCÊ: O CINZA JÁ TE DERROTOU?




Zona Crepuscular – acesse contos inesperados que ocorrem na hora mágica... nem dia, nem noite.

Neste post você viajará no conto:



KADIZ QUANTA

Era uma vez um rapaz de blusa amarela que se aproximou de uma rodinha de amigos no intervalo do curso; na época poucos o conheciam e depois disto não foi diferente:

- Dia cinzento não?
- É esta garoa chata, disse uma garota.
- Cheio de prédios não ajuda, disse outro aluno.
- Por mim tanto faz, disse outro garoto de canto – com olhar distante.

O rapaz de blusa amarela apontou o dedo para um ponto além do grupo mordendo o lábio inferior sorriu, chamando a atenção do grupo.
- Ora, o mundo é conforme o percebemos; se olharem com atenção verão borboletas, ali, ali, lá, laranjas, negras, bicolores – viram? Lindo! Não? Hehe...

As borboletas surgiram suspensas no ar, alçaram vôo preguiçoso, em várias direções diante do olhar espantado do grupo. Uma pousou no ombro a mostra de uma morena, era real, logo se foi e desapareceu ante olhares agora deslumbrados.
- Garoto, garoto, que foi isto?
Ele deu de ombros e partiu gargalhando, era o último dia do curso, as borboletas eram um presente para uma das garotas no grupo e uma forma de mostrar o belo sorrindo para o cinza carrancudo da vida de todos que ali estavam. Nunca mais o viram...

A vida de Kadiz seguiu adiante:

Era uma vez um estagiário que olhava da janela do prédio em que trabalhava para o trânsito na rua, motos, carros, pessoas serelepes, fumaça, corre-corre. Pessoas chorando na rua em silêncio. O estagiário torceu o rosto para tudo aquilo.
- Já conseguiu concluir o relatório Kadiz?
Torcendo o rosto mais uma vez, disse que não. O supervisor se foi, além do estagiário tinha mais uma lista de pessoas a cobrar alguma coisa, seu hobbie, seu esporte, sua motivação de vida.

Kadiz concluiu o relatório, levantou pegou a “plaquinha de banheiro” na porta da sala e foi tomar café na copa, sorriu para a recepcionista enquanto passava,
- Bonita esta margarida em sua mesa, é dia da secretária, por acaso?
A moça soltou um “ahh” ao ver a bela margarida pálida e amarela com caule verdíssimo que brotava de sua mesa de cedro como que plantada ao lado do telefone. Um odor delicioso emanava da flor, espalhando-se suavemente pelo ambiente.
O rapaz se foi para a copa e a recepcionista correu até o gerente para mostrar o inexplicável. O gerente voltou com o supervisor e a recepcionista.
- Cheiro de flor tem, mas, cadê?
A recepcionista murmurou, ué?
- Kadiz, você viu a flor na mesa, brotando da madeira, não viu?
O estagiário voltava com seu café, assoprando.
- Vi sim, era linda! Talvez alguém a tenha retirado, sei lá e sorriu.
O supervisor fez um muxoxo de desprezo e soltou um “sei...” gélido e completou:
- O relatório Kadiz, o relatório. Vida que segue...

Era uma vez um jovem que passeava no centro da cidade de São Paulo...
- Filho, que calor horrível, já me arrependi de vir para o centro.
Kadiz sorriu e beijou a mãe no rosto.
- Não se preocupe, quando virarmos a esquina haverá uma fonte central com jatos de água que espirram e se espalham refrescando e faremos compras na rua mais arborizada, verde e com sombras do centro.
_ Ah filho, você não deve estar falando da rua Santa Ifigênia, quer um suco de laranja? Sabe...a voz cessou quando chegaram a rua cinza e tumultuada e atônita a mãe sorriu, pois a rua era deliciosa, com bancos para descansar conforme o filho falara, pássaros azuis e amarelos trinados e barulho de água. Uma bela cena!
- Nossa Kadiz, fizeram isto quando? Esta rua sempre foi tão sem vida...
Kadiz sorriu enigmático.
- Fizeram hoje de madrugada mãe, ficou lindo, não acha?
Os comerciantes e transeuntes pareciam desconcertados entre felizes e confusos podia dizer!

Era uma vez um casal de namorados e um presente especial:

O jovem adulto sorriu para a namorada, estavam na laje de sua casa, havia acabado a eletricidade no bairro, um apagão destes que o governo prevê, mas não faz nada para evitar a não ser falar da fatalidade da falta de investimentos, etc etc.
- Creio que logo a eletricidade volta e a luz também, mas olha que céu estrelado lindo não? Sabia que no interior e afastado das grandes cidades ele brilha ainda mais e são tantas e tantas estrelas que não vemos por estar aqui na cidade?
Passou o braço pelo ombro ajuntando a namorada que se aconchegou no seu peito. Sussurrou no ouvido dela:
- Nas noites escuras, os vaga-lumes saem de seus esconderijos para mostrar como as criações de Deus são belas e bailam na frente de todos aqueles que tem olhos poéticos e disposição para amar.
Acariciando o rosto do namorado soltou um “é verdade, Kadiz?”.
Ao mesmo tempo, pontos brilhantes amarelos e verdes foram surgindo, pairando ao longe, se afastando, se aproximando e realizando intrincados movimentos, sem nunca tocar o casal, sem nunca repetir os mesmos vôos, brilhos verdes, amarelos piscantes e leves zumbidos. Logo se apagaram e sumiram, o casal acendeu e se beijou apaixonadamente e aquela noite jamais foi esquecida. Não foi um brilho fugaz.

Era uma vez, um momento de tensão...

Madrugada num cruzamento com farol fechado no bairro do Morumbi em São Paulo.
Os bandidos apontavam armas para Kadiz num misto de ódio, nervosismo e urgência.
- Desce logo do carro ou morre. Vai rapah!!
Kadiz desceu do carro, tremia, aquilo era inesperado, o itinerário era novo para ele e se demorara demais na empresa desta vez.
- O que vocês querem? Sua voz tremia, nunca passara por algo assustador.
Um dos bandidos se aproximou dele na calçada escura, o farol fechou, o farol abriu. A arma hipnotizava Kadiz.
- Nós vamos passear meu chapa, você vai sacar uma grana em seu banco para seus cumpadres aqui! Agora passa para o banco de trás que vamos passear.
Kadiz respirou fundo e falou baixinho:
- Leões...
- Que cê disse palhaço?
Kadiz criou coragem:
- Leões, não estão ouvindo? Estão se aproximando. Não tem um circo por aqui? Devem ter fugido, ou quem sabe fugiram lá do Simba Safári.
Os rugidos logo surgiram de vários locais da esquina, cercando os quatro, leões e leoas amarelos de olhos vermelhos, negros, dentes à mostra e mandíbulas nervosas – prestes a atacar. Os bandidos atiraram, mas de nada adiantou. Um rugido alto e longo partiu do meio dos leões acima dos barulhos da cidade. O “ROAARR” de ultimato fez os bandidos gritarem e correrem por uma brecha no bloqueio dos leões, Kadiz respirou aliviado, mas notou que algo escuro ficou e o observava enquanto os leões esvaneciam ante seus afagos agradecidos. A sombra escura parecia algo milenar de intenções más. Algo que Kadiz julgou não pertencer a sua realidade, nunca vira uma manifestação daquela, tinha certeza. Aquilo odiava de forma intensa o jovem, disto o mesmo não tinha dúvidas.
- Você não é humano, não?
A coisa sem forma clara pairava próxima, uma névoa consciente. Uma pessoa passou apressadamente por ele e atravessou a névoa, um carro buzinou para um motoboy distraindo temporariamente Kadiz.
Ao olhar de novo, a névoa estava mais próxima dele, ameaçadora.
- Hoje sou eu quem está sendo surpreendido pelo mundo, irônico; sabe, eu creio em Deus, leio a Bíblia – sabe que Deus parou o sol uma vez e outra vez retrocedeu o tempo para um rei? Sempre acreditei nestas histórias e jamais deixarei de acreditar, talvez seja isto que me faz pensar certos acontecimentos ao meu redor com sabedoria e comedimento. Presente de Deus, sabe...sempre usei este dom com cuidado.
A névoa se expandiu e o coração de Kadiz se acelerou. Prestes a explodir diria.
- Já ouviu falar do anjo assolador do Senhor? Ele está aqui, de espada em punho e não está nada feliz contigo.
Ao dizer isto, Kadiz se voltou correndo enquanto via de relance ( no sentido oposto a sua fuga) um anjo com enormes asas, espada prateada e túnica esvoaçante partir com aparência feroz contra a névoa. Com três golpes desfez a fumaça que a pouco o ameaçara e que parecia estar por trás dos bandidos que os leões espantaram.

O anjo pairou batendo as asas de tempos em tempos, se sustentando no ar de forma graciosa e levemente trepidante – avançando e recuando com um brilho leve ao seu redor.
- Como meus vaga-lumes, pensou alto.
O anjo sorriu e embainhou a espada em sua cintura no cinto de pano grosseiro que amarrava sua túnica.
Kadiz sorriu satisfeito e:
- Obrigado amigo anjo, pode ir, você me “guardou” bem!
O anjo sorriu e respondeu enigmático:
- Vim a pedido de meu Deus e Senhor e vou porque agora me requisitam em outro lugar e não porque dispensa meu serviço, amigo Kadiz Quanta. Adeus...
Um último bater de asas e sumiu rapidamente. Kadiz, se perguntado por alguém, não saberia dizer em que direção o anjo partiu. Daquele dia em diante não realizou mais aqueles feitos, mas outros dons maravilhosos surgiram e o acompanharam até o dia de sua morte e da morte de sua esposa Sofia, pois Deus era com eles. E esta é a coisa mais maravilhosa e sobrenatural que alguém pode desejar nesta vida e na derradeira!

Quando Kadiz fechou seus olhos pela última vez, disse sorrindo (segundo palavras de seu neto Júlio que estava ao seu lado neste dia) “Você de novo, meu guarda! Bem-vindo!” e após um suspiro se calou com uma expressão grata.


Fim...por enquanto...


Você está deixando a Zona Crepuscular neste momento, mas isto não significa que não há um mundo fantástico ao seu redor. Olhe que belos vaga-lumes estes, voando em sua mente!


Um comentário:

Anônimo disse...

Edu:

Deixei-lhe uma mensagem no outro seu blogue. Pelo sim, pelo não, é capaz de ser melhor assim. O recado é o mesmo: vá até ao meu Sarrabal. Tem lá duas surpresas para si!

Abraço da Sol