domingo, 4 de novembro de 2007

Zona Crepuscular surge com a seguinte questão: O dinheiro é bom?





Zona Crepuscular – acesse contos inesperados que ocorrem na hora mágica... nem dia, nem noite.

Neste post você conhecerá o conto:

O DINHEIRO É BOM?


Em um lugar na cidade de São Paulo:
- Que foi marido, não ganhou nada hoje?
O marido entrou surpreso no barraco, o delicioso cheiro do feijão quase o fez esquecer dos eventos de há pouco. Tomou fôlego e falou:
- Salvei um cão de ser morto hoje no Parque do Ibirapuera e ele me agradeceu. É, o bicho falava! Disse que era um soberano em suas terras, mas estava encantado e sua morte traria muitas desgraças ao seu reino.

A mulher olhou friamente para o marido e falou:
- Tá bom, marido, e o que ele te deu em gratidão?
O marido chocado com a pergunta, respondeu contrariado.
- Nada, ele não me deu nada, só agradeceu.
A mulher deu-lhe as costas friamente e se pôs a encher apenas seu prato com arroz, feijão e ovo. Disse entre dentes:
- Você é como tantos e tantas que deixam as oportunidades da vida escapar. Olhe este barraco horroroso no qual moramos há anos. Não me admira não termos filhos, que futuro teria uma criança morando conosco? Volte lá agora e busque sua recompensa.
O marido a observava surpreso a porta do barraco, o cheirinho do feijão...
- Vá agora! Vá! cortou a mulher qualquer pensamento ou possível argumentação do homem.

Bateu a porta e se foi para o Parque do Ibirapuera...atrás do cão...
Voltou uma hora e meia depois e no lugar do barraco, uma bela casa, com um belo quintal e ao fundo um cantinho para o galo e as duas galinhas que antes passeavam pelas vielas da favela como um rei galináceo e suas duas rainhas.
Entrou na casa e encontrou a mulher com cara de “poucos amigos”.
- Fantástico, o cão fez como pedi; a casa é linda e espaçosa; está feliz mulher?
Com ar azedo, a mesma respondeu:
- Pareço feliz? Você me pergunta se estou feliz? Não quero esta vizinhança e porquê uma casa se podemos ter uma mansão como aquela do apresentador Silvio Santos ou aquela do ex-prefeito Paulo Maluf? Volte lá e peça direito...agora!

O marido voltou (estômago roncando, aliás) e encontrou o cão, suplicou sua ajuda mais uma vez – o lago do Ibirapuera pareceu se agitar e o bailado da fonte pareceu estranho, ameaçador. O cão o atendeu mais este pedido, sabia ser grato e a petição não era irrealizável.
Correu para casa feliz e morto de fome, quase foi barrado pelo porteiro da mansão, a vizinhança desaparecera e a casa tinha um gramado maravilhoso verde lustroso onde o galo e as duas galinhas ciscavam animadamente – como ciscavam há pouco quando o animal era rei da viela com suas duas galinhas, botando para correr qualquer criança que deles se aproximasse.
O homem entrou esbaforido após vencer um lance de escadas de mármore italiano e sua mulher que tinha por profissão manicure agora era atendida por uma equipe de um destes salões famosos da área dos Jardins – mas não parecia sorrir.
Rosto angustiado com a seqüência de eventos que imaginava ocorrer naquele novo contato com a esposa, indagou bajulador (a bajulação já salvou tantas pessoas, quem sabe...):
- Mulher, que mundo é este que vejo e que boa figura têm, esta corada (seria maquiagem?)! A felicidade agora habita nosso teto!
Impassível, a mulher lançou um olhar gélido ao redor – lá fora o galo cantava por despeito enquanto cavoucava o jardim e assediava suas galinhas – eis que a mulher tornou a disparar.
- Pareço feliz? Felicidade? Tenho uma mansão maravilhosa e empregados mas não tenho status e nem sou convidada para vernissage onde poderei ver e ser vista, onde desfilarei minha vitória aos olhos de todos e da mídia (nem tivera festa de casamento e agora queria ir nesta tal de vernissage – o que será isto? pensou acabrunhado o homem). Homem, não tenho amigas e nem apareço na tevê e nem nas revistas da moda. O Amaury Junior nunca veio me ver, aquele entrevistador de celebridades; pior, nunca andei de jatinho. Estou feliz? Ora, corra àquele cãozinho e peça direito desta vez; quero ser presidente do Brasil e não refém desta mansão. A mulher dizia estas coisas enquanto saboreava um anacrônico caviar e mastigava de boca aberta um canapé.

O marido, hipnotizado pela visão da comida que o aguardava, à beira de um colapso alimentar (resumindo, esfomeado pra caramba) girou nos pés e correu até o lago, que estava cada vez mais turbulento, levemente escarlate – o dia caminhava para seu fim, mas seu tormento parecia quase eterno, Sisífo rolando pedras e mais pedras alguém diria.
- Cãozinho, cãozinho que com boa vontade salvei; demonstre-me sua gratidão e transforme minha senhora numa espécie de presidente-rei.
O cão de olhos brilhantes esverdeados e sorriso cansado se admirou de mais aquela exigência e respondeu:
- Vá, pois assim agora o fiz!
O homem sorriu morto e se foi.

A mansão parecia maior, cães de guarda brincavam com o galo e as duas galinhas na proximidade da guarita (de fora paparazzos tiravam fotos dos bichos, quem sabe como a revista de fofoca usaria aquelas imagens), diversos seguranças e homens de preto observavam toda a movimentação – um entra e sai de carros diplomáticos e limusines com personalidades e presidentes de empresas nacionais e multinacionais o deixou perplexo e no heliponto da mansão (tinha isto antes? Já não saberia dizer) o tráfego era intenso. Estaria ele na Granja do Torto - a casa do presidente? Parecia que sim.
A muito custo se fez anunciar e após autorização de alguém no interior (um tal de secretário do gabinete) entrou escoltado e vigiado por câmeras de circuito interno. Imóveis militares fardados com roupas algo sérias algo festivas guardavam a entrada da mansão. As galinhas ciscavam com fúria nos jardins estilizados e o galo bebia sua água despreocupado num lago de trutas (comeria um peixinho deste cru, pensou o esverdeado homem enquanto seu estômago fisgava e dava pontadas, marretadas de dor).
Sua mulher o atendeu na Sala Presidencial onde secretários e secretárias despachavam; altas personalidades conversavam a meia boca e políticos adulavam e bajulavam descaradamente sua senhora. Ciúmes? Nem pensar, só queria o fim daquele amargo e estranho pesadelo e comer algo. Um prato de feijão com farofa, nada mais...
Assim que a mulher o viu, levantou com um sorriso metálico, encostou seu rosto no dele, beijou levemente sua bochecha e sussurrou:
- Nem pense em entrar, agora me decidi: quero ser papa e é agora!
O marido com ar boçal e desanimado gemeu (estava a ponto de desmaiar):
- Mas mulher, o papa nem é mais senhor absoluto de toda cristandade, veja os protestantes e a quantidade de seitas e idéias a respeito da figura de Deus, mulher! Tem certeza que é isto que quer?
A mulher quedou-se em silêncio (todo burburinho na sala em respeito também se calou) e um sorriso mortal assombreou seu rosto. Riu baixinho...
- Tem razão, sou insensata; afinal quem controla o rumo das estrelas, o nascer e o pôr-do-sol, o avançar e o recuar das ondas do mar, quem pode deixar viver ou morrer. Marido vá ao cão, pois eu sei o que quero: Quero ser Deus e não se fala mais nisso. E quero agora!
O olhar colérico e febril da mulher possessa o intimidou. Era esta a mulher com quem fizera votos e vivera todos estes anos? Suou frio e o coração disparou enquanto vencia os lances de escada rumo a rua.
Correu para o Parque do Ibirapuera em meio a um tempo estranhamente fechado, um céu vermelho com ventos fortes, raios e trovões dispersos mas insistentes; perdera a fome e quando olhou o horizonte na hora final da luz e ingresso da escuridão se apavorou com os tons escarlates que riscavam o céu que agora estava tinto de sangue (depois ficou sabendo que a zona leste da cidade fora inundada por aquela tempestade, mas esta é outra história).

Atravessou os portões principais do Parque Ibirapuera, passou pelo prédio da Bienal, pelo MAM e pela Oca, teve um arrepio quando passou pela enorme e negra aranha de metal que enfeitava agora o parque e quase foi atropelado por um skatista de olhar misterioso.
O público mudava aos poucos, os freqüentadores do final da tarde se iam e alguns corredores chegavam para corridas noturnas, além de jovens elfos de intenções estranhas que atravessavam os portões e iam para os bosques mais escuros aguardar seus clientes e sacrificar suas juventudes para deuses estranhos.
Gritou pelo cão a beira do lago, perto do jardim onde se abrigavam patos, ganso e outros moradores do parque:
-Cão, cão, atenda mais um dos pedidos meus, a mulher com quem vivo enlouqueceu e como prova de gratidão por eu tê-lo salvo, pede que neste momento a torne Deus!

Um silêncio monstruoso se manifestou após estas palavras do suado homem. O lago escarlate escuro pareceu congelar momentaneamente, as intempéries cessaram bruscamente por um instante e o homem viu algo perturbador nas profundezas do lago que nunca vira antes, não eram os tradicionais peixes a mendigar comida. Algo grande e negro vinha em sua direção como predador aquático. O homem temeu e recuou da margem do lago ao mesmo tempo que via o cão verde que salvará emergir todo molhado. O animal sacudiu o corpo espalhando água por toda grama nas proximidades e deu um urro que era um misto de ganido e uivo, olhou faiscante com olhos ora verdes ora vermelhos para o homem a sua frente e vociferou:
- Está feito, ela é Deus.
Uma bruma negra baixou no mesmo instante deixando todos as escuras, gritos se ouviam por toda a parte e batidas de carros (soube-se que o fenômeno ocorreu em todo planeta, mas até o momento os especialistas não sabem definir que tipo de eclipse fora aquele, mas esta também é outra história).
Um grito de júbilo ensurdecedor ecoou na mente do homem e o arrepiou:

- Sou Deus, adorem-me!

Para seu horror, a voz cavernosa soava como a voz de sua antiga companheira de quarto.
Uma estrela riscou os céus e caiu no lago estrondosamente, gerando chiados, fumaça, clarões e lançando peixes na margem, onde permaneciam se debatendo. De onde o lago borbulhava, se erguia uma mulher de aparência terrível, flutuando no ar; pousou sobre o lago, caminhou dois passos sobre o mesmo e olhou furiosa para o marido (ex-marido provavelmente). Deu um grito de dor, se contorceu e subitamente fez “PLOP” desaparecendo como uma bolha de sabão e névoa úmida num dia tranqüilo de verão, que se vai...

O homem que caira de pavor se levantou assustado e a noite se tornou clara, iluminada pelos primeiros raios lunares. O cão o observava atento.
Criou coragem e perguntou para o animal:
-O que ocorreu cão?
O cão se levantou, marchou para o lago e de costas respondeu:
- Só existe um Deus, nem eu mudo isto, agora, não me perturbe nunca mais; estamos quites. O animal mergulhou no lago e se foi para sempre...




Fim...por enquanto...


Você está deixando a Zona Crepuscular neste momento, mas ela dificilmente deixará você!





2 comentários:

Unknown disse...

da hora Eduardo os desenhos, as histórias também estão ótimas, isso ainda vai virar sucesso.

Carlos Eduardo Freitas disse...

Obrigado amigo, sua opinião é muito importante para o Zona Crepuscular e para mim! Deus te ouça! Volte sempre a nosso blogue e sucesso em tudo o que fizer em sua vida. Nunca deixe o dinheiro te dominar! Abs!