segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Zona Crepuscular quer saber: Que fim você dá a seus documentos e velhas fotos?










Zona Crepuscular – acesse contos inesperados que ocorrem na hora mágica... nem dia, nem noite.



Neste post você se perturbara com um conto na Selva Urbana:





Existem regiões e pessoas que pensam estar numa selva urbana e agem como se estivessem. (Regiões não pensam? Vai ao meu bairro e vê como todo mundo parece se sentir na obrigação de agir igualzinho e quando você vai para outro estado e logo está falando do mesmo jeito – deve ser a água...) Bem, os mínimos padrões de moral, decência e ética escoam pelo ralo das más intenções e a prática é renegar os dez mandamentos e abraçar de corpo e alma os sete pecados capitais chegando a um ponto de inconsciência que beira a total falta de consciência. A partir daí, tais regiões e pessoas podem ser guiadas, manipuladas para realizar atos e desenvolver padrões culturais que beiram o absurdo. Existem pessoas e locais assim, nós da Zona Crepuscular sabemos.

Joe era assim, conheçamos este curioso homem:

Num lixão qualquer, um dia destes de sol.

- O que você está fazendo aí rapaz?
Joe olhou ao redor e rasgou outro saco, um cheiro podre subiu e logo Joe o jogou de canto e pegou outro cheio de papéis.
- Tô procurando umas coisas que me pediram. Hum olha aqui, fotos, achei mais algumas.
Começou a descartar as manchadas, rasgadas, umas sim, outras não.
- Como você sabe quais importam e quais não?
- Tenho umas dicas, este aqui ó, faleceu esta semana, esta aqui ó, tá viva; mas no que depender de mim, por pouco tempo.
Um silêncio, uma pergunta:
- Como assim, Joe?
Passou para outro monte de lixo, um menino caminhou em sua direção. Joe observou como o garoto era estranho, dava uns pulos e abria os braços saltando entre os monturos de entulho – parecia um urubu.
Correu para longe do garoto, não queria contato. Tinha uma missão.
- Garoto estranho, né Joe?
Joe concordou:
- Garoto urubu...Ó, mais fotos, esta não, esta não, esta não, este morto, esta morta, esta manchada, esta com endereço, esta sem. Nenhuma aqui, droga...
Escurecia...
- Joe, olha dinheiro ali, pega!
Joe nem se virou, continuou sua busca.
- Joe, já não achou as fotos necessárias?
Joe parecia tenso.Esbravejou:
- Não, não, não, faltam duas, não me atrapalhe. Deixa-me abrir este. Um momento.

Vapores subiram, metano, azedo, podre – cambaleou tonto, agarrou a dezena de fotos que separara com seus dedos sujos e engordurados, tossiu, a vista embaçou. Abriu o saco com a mão livre, só papéis velhos, notas fiscais, poemas, alguns desenhos e livros antigos. Uma edição em capa dura francesa do ano de 1919 da Volta ao Mundo em 80 dias largada com papéis velhos. Achou um livro manuscrito curioso:
“A Verdadeira-verdadeira história do Presidente Lula”, jogou de lado.
A lua surgiu - horas depois concluiu sua busca.
- E então?
Joe sorriu roto e careca.
- Este grupo me deu um motivo para viver (mostrou as fotos). Segundo “Eles” só basta achar estas pessoas na cidade.
- Péraí, péra, péra, espera aí, quem são “Eles” querido amigo Joe?
Joe deu um sorriso sombrio.
- Ora, “Eles” são aqueles que me falam aqui, ó, dentro da minha cabeça, “Eles” vão me ajudar, só tenho que cumprir esta pequena missão. Achá-los e tirá-los desta vida, só basta encontrá-los, É fácil, eu ando bastante (sou mais um andarilho de Sampa afinal), ando por aqui, ando por ali, logo topo com eles – foto por foto. Já tenho até um pouco de cordão aqui e um arame e , ó, tá vendo, tô costurando as fotos na minha blusa para não esquecer, uma foto aqui, outra no ombro, esta garota no peito, este cara na manga, mais estas no peito e na barriga. Pronto! Meu painel ao alcance da minha vista para decorar, consultar e fazer uso e para eu não hesitar. Minha missão mais que possível – depois de tantos anos uma nova chance, é só fazer conforme “Eles” explicaram, sem medo, sem vacilo.
Joe sorriu enquanto apreciava as fotos em seu peito, abdômen e braços.
- Bom, bom, muito bom. Está valendo a partir deste momento. Bem companheiro agora eu preciso ir, sabe, eu tenho uma missão, rêrê, missãããão, missão. TCHAUUU! gritou.

- Hey, aquele maluco está se despedindo de quem?
O homem olhou Joe se afastando do lixão e deu de ombros.
- Ah, o Joe ali? O Joe não é nenhum exemplo de sanidade e já faz tempo. Faz dias que esta ali, sozinho, fuçando o lixo, mas não esta atrás nem de comida, nem de latinhas para reciclagem. Fica falando sozinho horas e horas e pegando papéis.
- Olhe ele encheu sua camisa de papel velho, colou ou costurou não?
- É, costurou – daqui parecem fotos, sei lá. Tá curioso, vai lá perguntar! Acho que ele esta “gira”, pinel, doidinho. Já vai tarde, dizem que ele era advogado aí rolou alguma coisa com sua mulher. Ahhh Joe, Joe...
- Óia, um pedaço de pizza inteiro, muzarella, quer?
- Dá um pedaço aqui! Ah, isto é que é vida, hummm...

Jardins – São Paulo:
- Aonde você vai? perguntou a mulher fatal para seu acompanhante...
O homem fez uma careta:
- Esqueci o paletó no restaurante, espera no carro, volto rápido.
Joe observou o homem voltando, largou sua carroça, os três cães dormiam em seu interior. Agora tinha certeza que era o homem da foto próxima do seu umbigo – aquele olhar frio e aquele discurso de a pouco combinavam com a foto, como foi que dissera quando passou por Joe “ Querida, é puro darwinismo social, a lei do mais apto, quem não pode vai pra periferia , é marginal, usa pedras de crack em vez de ecstasy, nunca vai ter o emprego que tenho, nunca vai ser como sou ou ter uma garota como você – vê ali, em que mundo este carroceiro e aqueles pulguentos teriam aquele carro prata e uma mulher como você neste vestido negro maravilhoso? Vamos, Darwin sabe o que faz...” Ptuh!
E Joe não ouviu o resto, parecia e era a cara da foto em seu umbigo, pronto! E o pior, tratando-o como um invisível, se jactando de algo tão sem sentido. Darwinismo social? Ora bolas, este paralelepípedo embrulhado neste saco preto ia colocar as idéias do rapaz sobre a lei do mais apto num patamar mais achatado, É na pedrada mesmo com estes tipos.
“Lá vem ele...calma Joe, é seu primeiro, faça direito...”
- Hey loiro! Joe se colocou na frente do rapaz e o parou. Sorriu friamente segurando o pedregulho sem dificuldade e gritou:
- Para você sou um carroceiro, um mendigo, mas saiba que sou formado, tenho Oab e como advogado sempre venci. Adeus!
A seqüência foi rápida, o grito abafado pelo pedregulho, a garota saindo do carro e encontrando o namorado caído na calçada. Seus gritos encheram a região dos Jardins de pânico, carros pararam na rua Oscar Freire e na alameda Lorena para acudi-la – mas para seu namorado era tarde.

Joe puxou sua carroça de duas rodas Alameda Lorena abaixo com cuidado pois não queria acordar seus cães “encaixa a lei do mais apto no pedrão em seu peito agora rapah, essa eu quero ver, carroceiro iletrado...bah, uma profissão como outra qualquer...bem Joe, agora começou, respira fundo, a ponte caiu e tem que avançar, ah, mas eu vou, adiante!”

Com estes pensamentos Joe desapareceu na noite sacudindo a cabeça irritado, pois "Eles" o advertiam agora para não falar mais com nenhuma das pessoas das fotos novamente caso contrário a missão falharia e Joe não queria isto - as pessoas não se envolviam com ele e também ele não deveria se envolver. "Vou tentar, vou tentar; tá! tá, vou fazer!". Rumou para a região da Avenida República do Líbano. Amanhã andaria pelo bairro de Moema, um palpite. Dormiu próximo do Parque Ibirapuera, o som dos carros não dava mais insônia em Joe.

O policial observou o corpo estendido e a bela garota de vestidinho negro que tremia, pois apesar de alta madrugada, a mesma não queria sair do lado do corpo. O oficial abaixou-se e pegou uma foto largada ao lado do corpo. Uma foto do rapaz dobrada de forma a esconder a pessoa que estava ao lado dele. Uma linda ruiva. A garota viu a foto na mão do policial e voltou a chorar e a balbuciar:
- Esta foto, ele, ele, jogou fora faz uma semana, o que faz aí? Não tem sentido, é de uma ex-namorada dele. Combinamos que jogaríamos fora nossas fotos antigas, todas! Isto foi um pacto, Não, não, não...
O policial se comoveu com a bela mulher:
- Calma dona, tenha paciência, já vamos levá-la daqui. Sinto muito mesmo por esta barbaridade, você não merece passar por isto. o policial colocou a foto no peito amassado do rapaz, talvez tivesse alguma ligação, talvez não. Isto quem avaliaria seria a polícia científica.

Dias depois, uma garota foi encontrada numa caçamba de entulhos em Moema perto da Alameda Tupininquins, uma foto velha e suja dela junto ao corpo. Foto que, junto com outros documentos antigos, a mãe havia jogado fora há um mês.
Um repórter policial ligou os fatos após investigar os casos dos Jardins e Moema e de algumas perguntas para alguns policiais. Logo teve um laivo de genialidade e apelidou o “novo serial de São Paulo” de “Assassino da Foto” – e passou a sonhar com o próximo Troféu Imprensa ou uma destas premiações que pipocam pelo Brasil; pena não estar nos Estados Unidos, pois poderia ganhar um Pulitzer, quem mandou nascer no Brasil? Paciência.

Joe cantarolava uma música de Elizeth Cardoso, ouvira quando jovem no Municipal do Rio de Janeiro, a cidadã negra de voz maravilhosa que encantou a tantos, bossa-nova, bossa-nova, vossa bossa. Estava feliz, sentia o peito mais leve graças ao descarte de três fotos.
Seguia com sua carroça para o bairro Jardim São Luis, “Eles” haviam dado uma nova dica quente. Tudo corria bem – no prazo, no prazo, petição no prazo, no prazo, no prazo. Cãezinhos bons, trouxeram uma lingüiça para ele. Gostosaaaa.

- Deise, deixa eu falar, por favor!
A garota o observava com ódio no portão de sua casa no Jardim São Luis.
- Nós já terminamos Nei, acabou e não quero mais falar com você. Já sofri o bastante.
O rapaz, angustiado, implorou:
- As nossas fotos...
- Nei, eu já disse, as joguei no lixo, o caminhão de lixo levou, se quiser recuperá-las vá no depósito de lixo!
Nei ficou bravo e gritou:
- Menina, já entendi. Acabou, acabou. Só me explica porquê nossas fotos estão costuradas na blusa de um mendigo que eu vi em nosso bairro ontem Deise!
Deise ficou perplexa, “como assim?”.
- Eu estava chegando em casa e minha irmã estava enxotando o mendigo que queria latas de refrigerante, pets ou algo assim.
Deise cortou a fala de Nei:
- Típico de sua família, gritar e gritar e quando não tiver mais argumento, gritar mais ainda!
- Tá, tá Deise, deixa-me continuar – então ele passou por mim e vi várias fotos costuradas em sua blusa, espalhadas por toda ela e num canto e outro vi uma foto minha e outra sua. Mas, o pior, foi o olhar que ele me deu, pareceu me reconhecer. Resolvi não parar em casa, sorte que minha irmã não me viu...
Deise cortou novamente com desprezo.
- Ou seria aquela gritaria e baixaria que todos conhecemos.
Nei ficou irritado e a custo manteve o tom calmo de voz.
- Que seja...bem, ele tentou me seguir, mas o despistei no escadão do gordo e desapareci numas vielas. Mas isto é suspeito, como ele conseguiu aquelas fotos – e o pior Deise – o bairro todo vai ver você...sabe...a foto é aquela “artística” meio reveladora, se você recorda.
Deise ficou rubra:
- É sua culpa, como sou idiota, pode recuperar aquela foto agora! Se meus pais descobrem. Em que palhaçada você nos meteu, mais esta. Nei, meu pai é policial, se vira Nei! Onde eu estava com a cabeça, onde, onde? Péraí, meu telefone está tocando, Nívia, tudo bem? Claro! O quê, minha foto no peito de um morador de rua? E parecia que eu estava como? Não brincaaaa! Deixa para lá, você deve estar enganada.
Deise começou a chorar baixinho “Tchau amiga!”
Nei desconfortável tentou justificar o injustificável.
- Pô Deise, aquelas fotos seriam para montar o seu “book” de apresentação para levarmos para as agências de modelos. Você não devia ter jogado fora só porque nós terminamos; bem, no mínimo, você deveria tê-las destruído.
Deise entre lágrimas se defendeu:
Você me iludiu, eu me iludi, agora percebo tudo e esta situação torna tudo pior. Se esta foto não estiver em minhas mãos hoje, você vai se justificar com papai. Eu juro! deu as costas a Nei, entrou correndo e bateu o portão. Lá de dentro uivos, um choro amargurado e cheio de soluços e engasgos chegou até Nei que permaneceu na calçada – coçou a cabeça, olhou para o céu ensolarado através de um filtro negro pessoal e intimamente se amaldiçoou por ter se envolvido com a filha de um policial. “-Burro, burro, burro!” respirou fundo e correu até a casa da Nívia pois precisava saber onde encontrar aquele negão carroceiro para recuperar as fotos ou, pelo menos, a foto da Deise de busto em preto e branco. Que roubada, será que melhora?

Joe sentado numa calçada comia um marmitex doado por uma caridosa senhora, tinha arroz, frango, feijão e farofa apimentada. Uma delícia, pensou.
Os cachorros brigavam pelos ossinhos de frango que ele lançava de momento em momento. Precisava achar o rapaz e agora tinha uma suspeita de que a garota na foto artística estava muito perto também.
A suspeita veio de uma situação e não foi dica “d’Eles” desta vez; uma moreninha tinha dito horas antes quando o abordou: “nossa, que fotos legais penduradas que nem quadros, espera, não mordo moço, é mais fácil teus cachorros me morderem – esta é legal, esta também, para de se mexer um pouco, por favor. Uauuu, parece alguém que conheço!” Joe olhou nos olhos da menina de forma interessada:
- Qual? Esta aqui, da garota, em preto e branco?
A menina desconversou frente ao súbito interesse e logo arrumou uma desculpa para ir embora:
- Talvez, hora de ir, escola, sabe? Um abraço seu moço. Cachorros lindos, bonzinhos, você que tingiu aquele de verde? Fui! E saiu correndo. Joe a seguiu com os olhos e viu a mesma virar numa pracinha; deu as sobras para os cachorros e correu (que comeram rapidamente e seguiram o dono que largara a carroça e a eles). Joe não podia perder aquela garota de vista. A missão, a missão “Eles” viviam dia e noite a lembrá-lo, martelando na sua cabeça – mantra, mantra, mantra, mata, mata!

Foi tudo rápido, Nei passou na casa da Nívia achando-a na frente de sua casa e ela falou que vira o mendigo próximo da pracinha do bairro poucos minutos antes. Nei pegou um pedaço de madeira em forma de bastão caído na rua e correu em direção a pracinha. Joe estava correndo em sua direção, à distância cachorros e carros passando na avenida movimentada. Nei respirou fundo e gritou com Joe que, desconcertado, quase não o reconheceu. Mas era uma das fotos, vivinha ali, esperando-o com um pedaço de pau na mão. Muito movimento na rua, Joe ficou indeciso enquanto observava o rapaz ameaçá-lo e ruminar que “queria as fotos, quero as fotos, me dá as fotos ou te bato, bandido, maldito, lixeiro, trombadão, as fotos, as fotos e balançava o bastão furioso próximo a cabeça de Joe. Os cães se aproximaram silenciosamente e vendo o garoto ameaçar Joe partiram para cima do rapaz, os três ao mesmo tempo. Um pitbull, um rotweiller e um vira-lata tingido de verde mas tão feroz quanto os outros dois. Nei, num ato de desespero, correu e saltou para a avenida e foi colhido por um ônibus sendo jogado de volta a pracinha. E Nei, onde caiu, ficou, gemendo com dores terríveis. Joe se aproximou, seguido pelos três cães, agora calmos e balançando os rabos para Joe que os adotara – odiava pessoas que adquiriam cachorros da moda e depois os abandonavam. Ficou com os três.
- Pois é rapaz, queria as fotos não? Vai ganhar pelo menos a sua, tá aqui. Se aprecie bastante voyer, enquanto ainda pode – e se foi com os cães, de volta para sua carroça. Agora faltava descobrir a garota da foto e iria para outro bairro, Capão Redondo.
- Socorro, gritava e gemia Nei, pois não conseguia se mexer.
Dois rapazes chegaram numa moto, se aproximaram rapidamente de Nei, desceram da moto e se agacharam ao seu lado:
- Tudo bem “velho”? Creio que não; fica calmo que a ajuda vai chegar, dá aqui a carteira – não se mexe muito não pois vai sangrar mais rápido.
O outro sussurrou olhando ao redor:
- Pega logo o telefone celular dele, istoooo, é maneiro né?
Levantaram-se deixando Nei caído e um deles gritou para as pessoas que chegavam e para o motorista do ônibus que parara um pouco adiante após o acidente:
- Ele não consegue se mexer, alguém chame uma ambulância, um resgate, sei lá, chama o Bozo, o Dino, o Lula!
Subiram na moto e gritaram a uma voz para Nei:
- Melhoras aí, maninho!!!
O socorro verdadeiro chegou minutos depois, mas era tarde para Nei...

Deise contou a noite para o pai de sua “foto perdida” que agora grudada no peito de um morador de rua estava zanzando pelo bairro a vista de todos. Logo o pai da garota mobilizou seus companheiros. Carros policiais vasculharam o bairro, uma aposta paralela se formou entre os policiais (sem que o pai de Deise soubesse) ganhava um almoço quem primeiro achasse a “foto artística” da filha do certinho cabo Zé. Ninguém ganhou, pois foi o cabo Zé e um companheiro que acharam Joe de madrugada se aquecendo numa fogueira feita numa montanhazinha de terra que era abastecida com ripas e tocos de árvores surrupiados de uma pizzaria.
Joe descobriu uma coisa inesperada - que os “invisíveis“ da sociedade ainda podem sentir dor física, além de toda a dor emocional de ter se desligado da vida social e de todos, num ostracismo voluntário, regado a álcool. Os dois policiais bateram com cassetetes por longos minutos, como a chicoteá-lo – os outros mendigos olharam em silêncio – os cães estavam longe, perseguindo uma cadela. Joe se sentiu novamente como se sentira no dia da traição de sua esposa, como no dia da falência no escritório de advocacia e no enterro de sua mãe: absoluta e miseravelmente só. Sozinho com seus hematomas, sozinho com seus dramas, sozinho com suas tristezas, sozinho com suas vozes.
Arrancaram a camisa com as fotos de seu corpo, rasgando-a.
- To Zé, achai a foto de sua filha. E você vagabundo, quietoaí, não terminamos ainda. Tô cansado. Disse o policial negro de olhar fuzilante.
- Aqui, achei. Droga de foto – picou a foto e jogou na montanha de fogo de Joe, também jogou a camisa suja e ensebada com as fotos restantes que viraram cinzas instantaneamente. “Eles” gritaram caoticamente dentro de Joe, mas não podia fazer nada, o policial se agachou do lado de Joe e de arma em punho ameaçou.
- Companheiro, já é suficiente lidar com a bandidagem da área aqui; lunáticos como você tem de sobra, não ligo. Só que hoje eu abro uma exceção para você. (Deu uma coronhada no pé de Joe que gemeu baixinho...) – Tem...peraí, meus amigos chegaram, agora ficou bom, levanta vagabundo!
Joe tremendo, só de calça, descamisado e descalço se ergueu, o pé latejava, mas seu suplício seguia – logo foi cercado por uns oito policiais:
- É este aí cabo Zé e a foto cadê, esta com ele ainda?
- É este malandro sim, já peguei a foto e queimei!
Com a confirmação do cabo Zé ouviu-se um “Ah, que pena!”
O cabo Zé olhou todos com uma certa estranheza em relação ao comentário, mas seguiu com o roteiro em sua cabeça:
- Qual teu nome palhaço?
Joe observou todos, juízes, carrascos e executores, criou coragem e falou:
- Doutor Joelson Figueirah e Sáh.
O policial fez um muxoxo e o algemou - uns risinhos ao redor de Joe se fizeram ouvir enquanto três cães felizes chegavam e se alinhavam ao lado do dono. O policial prosseguiu:
- Bem doutor, todos nós já sabemos como é sua cara e, inclusive, meu amigo ali acabou de tirar uma foto sua na câmera do telefone celular dele. Você vai sair desta cidade agora, entra no carro ali agora e meu pessoal vai levar você para longe e não queremos nunca mais vê-lo e esta bagunça toda termina aqui!
Joe ficou sem entender (um silêncio enorme em sua cabeça) olhando aqueles rostos vorazes que o cercavam. Tentou contra-argumentar:
- E minha carroça ali, meus cachorros, meus pertences, minha missão, “Eles” não vão gostar...
Tomou um empurrão que o colocou cambaleante a andar na direção da viatura policial (os cães seguiam quietos, pesarosos pelo companheiro, algo não certo estava ocorrendo), Joe voltara a ser um “invisível”, pois ninguém mais voltou a falar com ele, nem “Eles” que moravam em sua cabeça falavam, estava sendo censurado – só contrariedade fora e dentro de sua cabeça. Entrou no carro e chorou em silêncio, as primeiras lágrimas em muitos e muitos anos.

Foi largado numa estrada rumo a Curitiba. Dois tiros para o alto o fizeram correr para longe de São Paulo – mas as fotos, ahh, as fotos Joe memorizara; afinal ninguém pode viver sem objetivos, ninguém pode abrir mão de uma missão nesta selva urbana!
“Correr, correr e por um objetivo matar e viver!”.





Fim...por enquanto...



Você está deixando a Zona Crepuscular neste momento, mas isto não significa que não há pessoas fuçando seus dados, xeretando seu orkut, ligando de madrugada para saber se você está em casa ou abrindo seu lixo procurando algo...algo que você nunca deveria ter deixado lá...enganoso é o coração do homem, pense nisto e até o próximo conto.

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